O Poderoso Grão de Mostarda

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Já houve quem designasse a adolescência como o campo de provas necessário a toda a vida humana. Ao sair da infância, eu cruzei a rua e adentrei o campo de eucaliptos em frente ao orfanato, rumo a um destino que à época me parecia nebuloso, embora pleno de esperanças.

Senti às vésperas da adolescência a necessidade premente de desenvolver-me na arte de falar em público, como uma tentativa de superação de minha timidez e alheamento às atividades coletivas. Sou grato a esse exercício que me abriu muitos caminhos ao jovem adulto e nas fases seguintes; e foi assim que, ouvindo conselhos de meus pais adotivos, decidi: queria ser pastor.

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O Poderoso Grão de Mostarda
O Poderoso Grão de Mostarda. (Imagem: Biblioteca do Pregador/Reprodução)

Aquele ruidoso movimento de garotos em brincadeiras intermináveis (e às vezes violentas) não me agradava. A solidão me atraía. Recolhido ao alto de uma tulha de sacos de arroz ou na companhia de um livro na biblioteca, eu degustava o silêncio, atento aos sons emanados das histórias saídas das leituras – o que promovia o conforto ideal ao menino solitário que fui e ali parecia ouvir vozes.

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À noite, em volta da minha cama, os meninos menores ouviam meus relatos das leituras diurnas, principalmente em aventuras de viagens pelo sertão, que me deliciavam na escrita de um Francisco Marins, por exemplo, em “O bugre do chapéu de anta”. Foi presente da esposa de um pastor pernambucano, o primeiro livro de milhares de outros que acumulei ao longo desses sessenta e poucos anos de vida.

Porém, não são as leituras a pauta desta crônica e sim a superação de um período dito como campo de provas necessárias à passagem à idade adulta (a adolescência) e o encontro da fé.  A decisão de ser pastor não durou muito; fui estudar Física em Goiânia e segui por caminhos tortuosos em relação àquele clima inicial de transparência mística.

No entanto, a fé em Jesus Cristo e a experiência de vida, apesar de todos os percalços, me levaram a cristalizar no coração crenças duradouras por caminhos nem sempre ortodoxos.

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Ainda menino a fé desabrochou em meu interior, seguindo o exemplo dos meus pais adotivos e, principalmente, de minha avó Cecília, que me ensinara as primeiras letras e me orientara nos caminhos do olhar para o sobrenatural, plantando sementes do ato de fé que se consolida na idade adulta.

Do tempo que vivi no Abrigo em Anápolis, guardo o choque do atropelamento de um menino quase da minha idade e, pouco mais tarde, outro diante da notícia dada por nossa mãe adotiva da morte de um de nossos irmãos por leucemia. Como já aprendera algumas preces, interiormente me consolei pedindo ao Pai que recebesse o irmãozinho morto. O céu, as estrelas, os fenômenos todos da Natureza pareceram sempre ao menino epifanias, revelações do alto poder de um Criador que não se esqueceria dos meninos do Abrigo.

Quando o teto do dormitório dos meninos desabou sob uma chuva intensa, buscamos esse poder do Alto, como que me antecipando aos versos do poeta católico alagoano Jorge de Lima, que conheceria já adulto: “Menino Jesus, miserere nobis, /segure com força a minha mão”.

Sei que a fé é um chamado superior. Mesmo diante das mais penosas crises da adolescência, procurei dar ouvidos a esse chamado. Três aspectos do ato de fé me chamam hoje a atenção: “A fé é sobrenatural, livre e racional. Esses três aspectos são complementares; sustentam-se mutuamente; implicam-se sem descontinuar, e a vida da fé consiste, entre outras coisas, em manter vivo o equilíbrio desses três polos entre os quais, como num campo de forças elétricas, oscila o ato de fé” – diz o Abade Charles Moeller.

Semeado na infância, aquele pequeno grão de mostarda continua a crescer no solo de minha alma, concordando com São Paulo, Apóstolo: “A fé é o fundamento da Esperança, é uma certeza a respeito das coisas que se não veem…” Rezo para que a fé continue sendo esse poderoso grão de mostarda.

Crônica originalmente publicada no Jornal O Popular.

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