O noivo
O delírio da descrição da nudez do homem do jasmineiro desconcertou a família. Ninguém o tinha visto. A vizinhança nada sabia. Minha tia jurava receber a sua visita todas as noites. Uma luz esbranquiçada corta a escuridão, vinda de um lugar dentre as estrelas, atravessa a janela, desce em meu lençol e o seu corpo traía o pudor. O perfume da flor invadiu a casa, os seus olhos acesos percorreram o cômodo, tornou-se ansiosa, as pernas mexiam-se desordenadas, as mãos rasgaram o vestido diante de nossa perplexidade. Minha tia parecia uma possuída gozando a posse antecipada de um senhor ansiado por tantas noites solitárias compensadas agora pela vinda dele.
Um homem mudou-se para a nossa rua. Não tinha quase móveis. Bebia. Trabalhava em uma fábrica de sofás. Passava em nossa porta, olhava o jasmineiro cortado sem aceitar a brutalidade, acenava para nós do portão e desaparecia na esquina. Retirada a árvore do quintal, minha tia parecia curada da alucinação com o visitante. Não se referiu mais à luz esbranquiçada ou se transtornou diante do aroma de flor alguma. Voltou às funções da casa, integrou-se à rotina familiar, inclusive voltou à igreja. Todos estávamos satisfeitos. Não pensávamos mais em suas crises, quando ela decidiu se casar. A notícia alegrou a todos nós.
O jasmineiro foi recolhido da calçada. Talvez tenha sido levado para o aterro sanitário ou virado lenha. Desapareceu sem rastro. Minha tia não apresentou o noivo. Só as chaves de uma casa no bairro vizinho. Ela se arrumava todas as noites, sob a supervisão das irmãs, falava do sujeito como um herói e as lágrimas lhe corriam pelo rosto. A felicidade se insinuava em seu corpo, arredondando-lhe as formas, tornando-as mais atraentes. O novo vizinho acompanhou com prazer e discrição o renascimento de minha tia. Quando soube do casamento, sentiu o baque.
A cerimônia nupcial discreta, o noivo ainda mais, dispensada a festa, voltamos todos às nossas vidas. Quando minha tia mudou-se parecia que nunca mais ouviríamos falar dela. A casa, o marido e os afazeres não permitiriam qualquer distração aos dois. O tempo passou sem notícias do casal, ninguém se alarmou, enfim tinha se resolvido um problema com o enlace. Vi a sua tia, revelou o vizinho. A fábrica ficava no mesmo bairro dela. Conversei com ela, falou uma outra vez. Estou apaixonado pela sua tia, declarou, finalizando a crescente intimidade dos dois. E o velho jasmineiro está plantado na frente da casa, o arremate era uma bofetada. Ela é maior e vacinada, declararam todos.
Por que sua tia casou com o demônio? O rosto transtornado do vizinho parecia resultado da bebida. Olhamos desconfiados. Ele percebeu nosso escárnio, se afastou, recordou algo, voltou e nos entregou uma carta. Nela, minha tia confirmava suas palavras. Talvez artifício dos amantes. Soubemos depois dos galões de gasolina, da grande fogueira, do jasmineiro tornado uma sarça ardente, do vôo inexplicável de um homem em completa nudez, da porta da casa em chamas fechada com minha tia e o vizinho, com o sorriso dos dois e da chegada dos bombeiros quando tudo parecia cinzas. Menos uma pequena flor pisoteada na soleira do restante da porta.