Diário do extremo oriente: O começo da jornada
Tóquio, 22 de dezembro de 2022 – Viajo só e calado em respeito ao notável silêncio e à quietude dos outros viajantes nipônicos dentro do trem da JR (o que é um hábito bem japonês), sigo o percurso da estação de Ryoguku-Sumida, onde estou morando, para a de Ueno, para uma visita ao Museu Nacional de Tóquio (TNM, Tokyo National Museum).
Desejo aproveitar esses últimos dias aqui no Japão, depois de quase três meses que deixei minha terra natal (Goiânia), em busca de uma aventura no Extremo Oriente, passando vinte dias na Coréia e dois meses em Tóquio. Foram dias de encantamento e assombro, e também de enfrentamento de dificuldades que vão das barreiras linguísticas aos hábitos socioculturais dos asiáticos.
Porém, nada nos tira da lembrança a lua vermelha do primeiro eclipse total que vivenciamos em Machida, bairro de Tóquio onde moramos o primeiro dos dois meses ali; tampouco a alegria e encantamento com o paradisíaco templo do Pavilhão Dourado de Quioto, onde passamos alguns dias, incluindo a data de aniversário de minha mulher.
Creio que será impossível a alguém nos furtar as memórias peregrinas, como a de ter avistado o Monte Fuji, seja rapidamente pela janela do trem-bala que nos conduzia de Tóquio a Quioto, seja pela janela do hall do nosso hotel no último dia de Tóquio, já no aeroporto de Haneda, onde iniciaríamos a viagem de volta ao Brasil.
No passeio ao museu, como vou sozinho, não posso contar com minha competente “navegadora” – minha mulher que ficou no apartamento com pequena indisposição; então, me valho do Google Maps para não me perder e não descer na estação errada ou pegar a saída menos adequada para chegar mais rápido e aproveitar todo o tempo livre nessa aventura, mas o aplicativo falhou comigo, indicando a saída errada e tive que andar uns seiscentos metros dando voltas no frio do outono japonês, até chegar ao Parque Ueno; pelo menos, não havia chuva e o vento era fraco para o período: nada demais para quem iria ter a chance de apreciar anos de história do Japão em duas horas.
O dia cumpre sua tarefa de escravo do outono nipônico, como captado em meu celular, desde a saída do parque Ueno até à entrada do Museu e este me transporta para uma viagem pela história da arte e da cultura japonesas.
Paguei pelo desconhecimento de que aqueles seriam os últimos dias para passeios em locais públicos devido aos feriados que param muitas atividades no Japão, entre os últimos dias do ano e os primeiros quatro ou cinco do que chega – e enche os templos xintoístas e budistas de fiéis e turistas curiosos.
Foi, pois, uma chance única essa de apreciar um pouco da história e da arte nipônicas – um conjunto de fotografias está disponível em meu Facebook, de onde retiro essa foto que fiz da imponente escultura de Aizen, o deus budista do amor – ver mais clicando neste link.
Dias depois, não tive a mesma sorte de encontrar aberto o Museu da Leitura no parque Komaba, e lamentei desconhecer esse fechamento devido aos feriados para as celebrações do fim de ano (e início do novo ano) no Japão.
Como uma espécie de prêmio consolação foi-me possível visitar a hoje conhecida Casa Maeda – onde o Marquês Toshitame Maeda, que passou muito tempo na Europa como estudante e como oficial militar, construiu sua residência principal (Komaba), em estilo ocidental, em 1929 como uma mansão adequada para receber convidados ilustres do Japão e do Exterior. A ironia da história é que o marquês morre em combate durante a guerra e sua casa se torna o quartel-general das Forças Aliadas, que a utilizaram temporariamente como sala do comando.
A casa me apareceu soberba a um canto do parque, tão imponente sob uma luz única que embevecido tentei captar o momento com meu celular (ver foto 2). Hoje, quando falo com entusiasmo detalhes dessa aventura de três meses no Extremo Oriente, a pergunta constante dos amigos é: “Por que ir ao Japão e à Coréia?”
Inicialmente, não havia como responder a essa questão numa mesa de bar. Essa foi a principal razão para aceitar o gentil convite do editor do Recorte Lírico para escrever esta série de dez artigos, sem pretender criar um guia de viagem, e sim alimentando um repositório de sentimentos e ideias sobre as emoções e assombros desse itinerário. Venha viajar comigo.
10 de outubro de 2022 – aeroporto de Goiânia. Em nossa bagagem, temos, além dos papéis obrigatórios de testes negativos de Covid-19, passaportes com vistos e os aplicativos de entrada na Coreia e no Japão, uma bateria de suplementos alimentares, de pastilhas e cápsulas que a idade nos obriga a portar quando projetamos uma viagem tão longa. Mas, ainda cabe nas malas um bocado de sonhos e expectativas diante da longuíssima viagem pela frente. Preparava-me, pois, para a longa jornada, conforme à receita do poeta goiano Gilberto Mendonça Teles para o leitor de poesia:
Com armas e bagagens
e algumas apólices
na armadura
a(r)ma o teu próximo
para o melhor da viagem
nesta leitura:
há sempre um fósforo
na tua gula.
Minha mulher que é muito organizada preparou as bagagens a partir de listas feitas com antecedência, como uma ação preventiva para os próximos três meses no Oriente. Eu, as armas: livros de autores coreanos e japoneses baixados no iPad via Kindle para não necessitar de tantos livros físicos no período; também segui o alerta médico de que por ser difícil encontrar o medicamento similar ao brasileiro no outro lado do globo, portar as mezinhas conhecidas para os males que surgissem. Para minha filha, genro e neto nos esperavam aqui em Tóquio, era preciso trazer pequenos mimos, coisas típicas de Goiás, incluindo massa para pão de queijo, pimenta e farofa.
A curiosidade pelo exótico, pelo enigmático mundo oriental, a vontade de estar com a parte da família que está morando no Japão, nos encoraja a enfrentar o voo em duas etapas, com paradas em Frankfurt, na ida e na volta para um descanso dos efeitos do jet lag do longo deslocamento.
Hoje, quando retorno a Goiânia, com o aplicativo de fotos e o coração carregados de memórias desses três meses de experiência única no Extremo Oriente, reabro um livro antigo do poeta japonês Matsuo Bashô, em minha biblioteca:
Essa forma usada pelo poeta nipônico do século XVII para iniciar um dos cinco diários de viagem é o que me convém ao iniciar esta série de artigos. De acordo com a tradutora de Bashô no Brasil – a poetisa Olga Savary, os diários são verdadeiros cadernos de esboços, impressões e apontamentos de prosa poética.
Com isso, tento encontrar uma forma de mostrar ao leitor como foi o meu caminho entre os deslocamentos que fiz, nesses três últimos meses, flutuando a bordo de aviões e trens pelas sendas do Oriente.
Assim que comecei a meditar sobre este meu diário do Extremo Oriente, com o suporte lírico de noites e dias, e sensações múltiplas e intensas, admito que este não se quer deixar fechar com a chegada à casa e a retomada do meu natural: clima, comida, livros, cachorro e gato em torno; campos verdes, jardim florido…
Mesmo sem total manejo da forma do renga-haikai, eu ousaria pendurar nos esteios de minha casa um poema de oito estrofes, ao modo poético nipônico, nesta volta ao lar em Goiânia:
Chuvarada agora
em minha casa – abre-se
a flor do prazer.
Meu desafio aqui é dizer aos leitores o que foi melhor na viagem e convencê-lo a seguir as sendas do Extremo Oriente. Concordo que é longe, é difícil se deslocar e se adaptar a tantas diferenças culturais, mas é um desafio maravilhoso que paga cada won e cada yen investidos nessa aventura – espero dar-lhe o melhor da viagem nesta e nas leituras subsequentes. Arigatô.
Parabéns Beto gostei deste primeiro artigo. Casa Maeda, bonita mas de estilo japonês não tem nada. Mande mais fotos, não tenho Facebook abs
Oi, Toninho: de fato, seu olhar de arquiteto está ainda muito afiado. A parte japonesa da Casa Maeda fica bem próxima e as duas são interligadas pelo subsolo. Enviei a foto para o seu What´s App.
Excelente seu diário Beto. Parabéns ????
Muito boa a crônica.
Suas narrativas sempre comovem. A contrário de uma sensibilidade que se esvai, descortina vida que vem sirgindo sempre. Infinita.
Obrigado, ilustre confrade Aidenor. Sua leitura me traz muita alegria. Obrigado por sua amizade.
Beto.
Um erudito, um flaner, como se fosse um qualquer, nos trás as luzes, lanternas, do Oriente e seus enigmas e lirismo s. Como disse Alice Ruiz, “que delícia de viagem, eu aqui parado”. Uma ode à leitura este diário.
Obrigado, ÍTALO. Ser lido por você é uma honra.
Forte abraço do
Beto.
Parabéns ! Através das suas narrativas foi fácil acompamhar você e a Helenir nesta viagem fantástica .