“Um príncipe em Nova York” foi o primeiro Pantera Negra que vi
Lançado recentemente pela Amazon Prime Video, Um príncipe em Nova York é uma espécie de prelúdio de Pantera Negra, algumas décadas antes
Em 2018, a comédia sobre o príncipe Akeem (Eddie Murphy) e a fábula do amor verdadeiro em contraste com a tradição do casamento arranjado completou 30 anos. Coroado príncipe em uma nação africana fictícia, Akeem convence o pai, rei Jaffe (James Earl Jones) a permitir uma viagem à Nova York. Para o rei seria uma viagem de despedida de solteiro. Para o príncipe, uma jornada para encontrar sua própria rainha, antes da possibilidade de casar com a pessoa que sequer conhece. Da rotina de realeza, com uma tropa de funcionários o mimando todo o tempo, Akeem vai parar no Queens, em um hotel simples e decadente. Aí o filme demonstra a sua potência.
O príncipe não entende o racismo, as diferenças de tratamentos, fica fascinado com comportamentos e linguagens diferentes. Começa a trabalhar, pela primeira vez na vida, em uma lanchonete. Se apaixona por uma mulher independente, a filha do chefe. Ainda há a participação especial de Samuel L. Jackson como um bandido desastrado. Estamos falando de um filme lançado em 1988, em um mundo bastante diferente, com elenco quase em sua totalidade composto por atores negros. Aliás, em entrevista ao apresentador Jimmy Kimmel, Eddie Murphy e Arsenio Hall (Semmi, no filme) falou de um fato sobre a escalação de atores para o filme:
“Eu amo Louie, mas acho que fomos forçados a colocá-lo nisso.
“Fomos forçados a colocar uma pessoa branca”, disse Hall.
“Isso foi na década de 1980, sabe? Então foi tipo: ‘Precisamos ter pessoa branca no filme. Eu fiquei tipo: ‘Como?'”, disse Murphy.
Voltando à contemporaneidade, ainda não entendo a facilidade com que fazem cafuné em quem comete racismo. Não sei como tanta gente pondera atitudes estúpidas como equívocos da rotina. Passou o tempo de “deixar pra lá”. Essa semana, um “digital influencer” muito famoso no Brasil – confesso que ainda não o conheço – fez uma publicação racista (episódio de 2018). Perdeu apoio e patrocínios. Foi defendido por um monte de gente. Imagine a quantidade de “piadas” racistas no dia a dia de negros, três décadas atrás, e perceba a importância do filme de Murphy.
Um Príncipe em Nova York foi o primeiro Pantera Negra que vi. A história de Wakanda, nação fictícia africana, não foi só um filme, mas um acontecimento social no ano de 2017. Gerou debates, causou reações orgulhosas e emocionantes em diversos cantos do mundo. Principalmente para a população negra do planeta, alvo de discriminação em quase todos os lugares. Não se percebia representada na indústria do cinema, por exemplo. As crianças não tinham grandes referências negras no mundo dos super-heróis. Aí veio Pantera Negra e sua linguagem de filme de aventura fantástica. É a linguagem do século XXI, assim como a comédia era a linguagem dos anos 80 para esse tipo de temática em Hollywood.
Leia este artigo da Veja sobre a correlação entre Um Príncipe em Nova York e Pantera Negra: https://veja.abril.com.br/blog/tela-plana/pioneiro-um-principe-em-ny-fez-historia-ao-retratar-uma-africa-prospera/
Um Príncipe em Nova York às vezes é lembrado sob a batuta de “filme de sessão da tarde”, como se fosse uma categoria inferior. É um filme tão bom e com tantas camadas que apresentou sua continuação em 2021. Tem potencial cômico, mas é infinitamente inferior nas outras reflexões que o filme de 1988 apresentou. Ainda assim vale a pena assistir. Mas, sobre o original, reveja: é um filme sobre uma família negra, rica, em contato com uma realidade de humildade e dificuldade de seus semelhantes, em um país que debate constantemente a questão da imigração. Isso mesmo: uma comédia sobre imigração. O mais legal disso tudo era a quebra de estereótipos. O príncipe não precisava esfregar o chão da lanchonete. Por ser negro, muitos pensavam que fazia por necessidade. Não ali, revertendo todos os olhares. Akeem estava sempre rindo. Assim como senegaleses em São Paulo, sírios no Rio, venezuelanos em Roraima, bolivianos no Acre, nigerianos na França, kosovares na Suíça. Afinal, o mundo mudou. Todo mundo é príncipe, tudo é Nova York.
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