ARTES INCOMUNS SOBRE COISAS COMUNS
Verônica Daniel Kobs
Tatsuya Tanaka (1981-) é um artista japonês que cria maquetes com cenas inspiradas no cotidiano, mas que utilizam materiais inusitados, que evidenciam a criatividade das peças, ao mesmo tempo em que promovem relações nada triviais. Trata-se do processo denominado mitate, que objetiva a releitura e a recontextualização, a fim de propor uma nova perspectiva sobre as coisas e sobre o mundo.
A tecnologia é um tema constante, servindo para reconstruir uma das mais tradicionais paisagens de Nova Iorque (Fig. 1) ou para criticar a nova noção de entretenimento, já que, hoje em dia, nem mesmo uma simples pescaria dispensa o uso de aparelhos tecnológicos (Fig. 2):
Nessa obra, a base do barco traz baterias, em vez de toras, sinalizando a perspectiva diferenciada em relação a uma atividade que, antigamente, era considerada uma fuga da realidade. Portanto, o objetivo era sair “sem lenço e sem documento”…
Consolidando outra vertente, em suas maquetes, Tatsuya Tanaka usa materiais do dia a dia elevando seu status. Uma esponja é alçada à categoria de quadra de vôlei (Fig. 3), integrando uma paisagem na qual o amarelo da cancha contrasta com as palmeiras, sugerindo um ambiente tropical.
Enquanto a esponja é totalmente recontextualizada, passando, por exemplo, de uma cozinha, para uma área a céu aberto, provavelmente à beira da praia, esta outra maquete dá ao sabonete uma nova função (a de banheira), mas sem desvinculá-lo do ambiente que lhe é comum (Fig. 4):
Até mesmo alimentos já cozidos são usados pelo artista, que, neste exemplo, posiciona várias porções de arroz, ao redor de um avião de brinquedo (Fig. 5). A paisagem é composta sobre um vidro suspenso, para que fosse obtido o efeito das sombras sobre o fundo azul.
Finalizando a pequena mostra que este texto apresenta, a próxima maquete utiliza como base o famoso cubo mágico (Fig. 6), que virou febre entre crianças e adolescentes, nos anos 1980, e que agora frequenta as esferas cult e geek.
Com estilo diferenciado e voltado à pintura, Fabio Cardoso (1958-), brasileiro nascido em São Paulo, apresenta alguns quadros que também seguem uma tendência minimalista, valorizando o cotidiano. Na seleção que será mostrada aqui, destacam-se os mundos animal e mineral em cores que os desnaturalizam. Contudo, com esse artifício, o artista realça a importância e a presença constante dos pássaros, dos cavalos e das pedras na sociedade. Justamente por essa razão, as rochas e os animais podem ser transformados, reimaginados e até desconstruídos, como ocorre com os pássaros nesta tela (Fig. 7):
Os galhos das árvores, embora secos e descoloridos, permitem que as aves sejam representadas apenas por acúmulos de tinta colorida. Dessa forma, o cenário e a posição das manchas levam o espectador a imaginar uma paisagem completa e figurativa.
Parte da mostra Escombro, a tela a seguir pode ser classificada como paródia, porque as cores alteram a neutralidade da paisagem rochosa e porque o colorido contradiz a tristeza e a tragédia que geralmente são associadas a desmoronamentos e outros tipos de destruição (Fig. 8).
No último exemplo reservado à obra de Fabio Cardoso, a tela se divide em quatro partes, com cores distintas, sobre as quais os cavalos são posicionados e focalizados também de modo diverso. Nenhum deles é totalmente nítido e todos surgem em meio a um fundo de intensa saturação das cores (Fig. 9). O objetivo, novamente, é a desnaturalização como contraponto à trivialidade e à presença inevitável desse animal na história de todas as pessoas: fazenda, casa dos avós, infância, medos, conquistas, uma amizade, ou aquele passeio inesquecível…
Apesar das diferenças entre as obras de Tatsuya Tanaka e Fabio Cardoso, a sintonia surge na releitura do cotidiano e no apelo à contemplação. Em ambos os casos, os espectadores são desafiados a entender as associações a partir de um novo contexto. Não basta representar a realidade. É preciso questionar, reinterpretar e propor alternativas. Outros olhares, outros mundos…
Texto originalmente publicado no Blog Interartes, em setembro de 2024.