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TWITTERATURA: A ESCRITA EM ESTADO DE URGÊNCIA

Verônica Daniel Kobs Era uma vez um romance que não cabia no bolso. Depois veio o conto, o poema, o haicai. E então, o tweet.

TWITTERATURA: A ESCRITA EM ESTADO DE URGÊNCIA

Verônica Daniel Kobs

Era uma vez um romance que não cabia no bolso. Depois veio o conto, o poema, o haicai. E então, o tweet. Não mais páginas, capítulos, prólogos. Agora é tudo em tempo real, em tempo curto, em tempo de timeline. 280 caracteres. Menos que um parágrafo. Imagine um romance em forma de thread. Cada tweet, um capítulo. Cada curtida, uma vírgula. Cada comentário, uma reescrita. A twitteratura é zapping literário.
Ela encontra o leitor sempre em movimento. É literatura de bolso, de tela, de toque.

Pois é… Antes da moda do Instagram, o Twitter (atual X) já atraía a atenção dos amantes da literatura desde 2006, ano em que esta rede social foi criada. Naquela época, porém, os textos precisavam ser ainda mais curtos do que são hoje. O limite era de 140 caracteres e isso permaneceu por mais de dez anos. Apenas em 2017 os tweets passaram a admitir até 280 caracteres. Em seus estudos sobre a evolução da web, Lucia Santaella ressalta que, na época das wikis e dos blogues, “graças às novas plataformas de relacionamento, X(Twitter), Facebook e outras mais, o usuário tomou o poder sobre as redes, facilitado pelos dispositivos móveis” (Santaella, 2024, p. 12).

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TWITTERATURA: A ESCRITA EM ESTADO DE URGÊNCIA
Fonte da imagem: iStock

Pelo fato de o Twitter privilegiar textos verbais extremamente sintéticos, essa rede mostrou ser a mais adequada para a proliferação dos minicontos, no início do século XXI: “A experiência de leitura na internet é fragmentada […]. As tradições da prosa literária, picotadas e embaralhadas, vicejarão no miniconto, no microconto, no aforismo, nas tiradas irônicas, no trocadilho certeiro, na informação telegrafada” (Galera, 2013). Com essa feliz e promissora união, o leitor encontrou um ambiente virtual favorável ao consumo de histórias de leitura rápida, mas que exigiam uma interpretação mais ativa e aprofundada:

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Fabrício Carpinejar é um dos escritores que transitam no mercado editorial tradicional e nas redes sociais com a mesma maestria. Atualmente, ele conta com 826,8 mil seguidores no Twitter (cf. Carpinejar, 2024), onde publica minicontos em dois formatos distintos: digitados (seguindo os padrões de um tweet convencional); e escritos sobre guardanapos, com letra de fôrma manuscrita e em cores. A maioria de sua produção é voltada à autoajuda e o autor costuma receber cerca de duas mil curtidas após cada postagem. Para exemplificar a twitteratura desse escritor, selecionamos quatro minicontos: “Pequenas mentiras matam grandes amores”; “Adiar é um triste hábito de quem esquece que vai morrer”; “Acreditar é atrair”; e “Nunca saberemos quando será a última vez. A despedida já pode ter acontecido” (Carpinejar, 2024).

Em cada texto, são visíveis a simplicidade e a similaridade com os aforismos, características que potencializam a identificação do leitor. Além disso, vale lembrar que esses requisitos obedecem à cartilha do gênero miniconto, que, para Luis Landero, valoriza “[…] a realidade, o cotidiano”, contituindo “pequenos relatos […], nos quais nunca falta uma personagem, um conflito, um tempo e um espaço, um início de trama” (Landero, 2007, p. 10-11, tradução nossa).

Em tempos de transição da literatura impressa para a digital, muitos consideram que a tecnologia artificializa e desumaniza a arte. No entanto, de acordo com o pesquisador Jorge Luiz Antonio: “Embora seja feita com o auxílio de uma máquina, a tecnopoesia não é uma poesia maquínica, mas sim uma atitude reflexiva, uma manifestação a respeito da tecnologia computacional, sob o ponto de vista do poeta. É a poetização da tecnologia computacional” (Antonio, 2016). Com essa visão otimista, o crítico realça as vantagens das novas mídias e a preponderância dos humanos sobre elas.   

Outro autor que divide sua produção entre livro impresso, postagens em blogues e publicações no Twitter/X é Marcelino Freire. A intimidade desse escritor com os minicontos é bastante conhecida pelo público e pela crítica. Freire é um verdadeiro entusiasta dos textos mínimos, razão pela qual publicou, em 2004, a coletânea Os cem menores contos brasileiros do século, organizada por ele. Com o tempo, a demanda por narrativas sintéticas só aumentou, sobretudo depois de 2006, com o advento do Twitter. Devido a isso, no ano de 2018, a seleção feita por Marcelino Freire chegou à quinta edição. Sim. Vivemos um tempo de urgências e o miniconto é “Um texto que se transmite em um fluxo de dados contínuo e que demanda pensar um contexto de leitura líquida que não responde […] ao enquadramento da página” (Beiguelman, 2003, p. 18).

Além de divulgar seus próprios minitextos no Twitter, Freire mantém intensa publicação em blogues e organiza concursos que incentivam a twitteratura. Seguem alguns exemplos dos tweets literários do autor: “Noite feliz. Quando acaba”; “— Feliz Natal, disse ele. Depois é que atirou”; e “— Papai Noel não existe, meu filho. Disse Maria ao Menino Jesus” (Freire, 2024). Nesses três minicontos, o estilo contestador do escritor pernambucano se faz presente, opondo a data religiosa às fatalidades do cotidiano, desmistificando a festividade sagrada e familiar e até mesmo questionando o status de Papai Noel, a fim de resgatar o verdadeiro significado do Natal.

Mais uma vez, com a inserção da literatura nas redes sociais, é possível consolidar “a tecnopoesia, que passa a ter existência no espaço simbólico do computador, individualmente, ou dos computadores em rede” (Antonio, 2016). As transformações sociais e artísticas são decorrências do avanço tecnológico. Por isso, nos períodos de grande revolução midiática, alteram-se o processo comunicativo, os comportamentos e as relações interpessoais. Na arte literária, textos, autores e leitores também respondem às influências dessas inovações:

O Twitter incentiva esse compartilhamento e conquista cada vez mais adeptos. Contudo, ao contrário do que se pensa, para celebrar a twitteratura, podemos recorrer ao velho contador de palavras do Word. Aliás, foi ele que possibilitou a escrita deste parágrafo, com 280 caracteres.

A twitteratura não quer substituir o livro. Ela quer ser o intervalo entre dois capítulos. O parêntese no meio da rotina. O poema que cabe em qualquer instante. E talvez, só talvez, seja o início de uma nova forma de contar histórias. Porque no fim, toda literatura é uma tentativa de dizer muito com pouco.

#Referências

ANTONIO, J. L. Poesia eletrônica: negociações com os processos digitais. Disponível em: <https://archive.the-next.eliterature.org/museum-of-the-essential/museu/library_pdf/PoesiaEletronicaApresentacao.pdf>. Acesso em: 16 out. 2016.

BEIGUELMAN, G. O livro depois do livro. São Paulo: Peirópolis, 2003.

CARPINEJAR, F. Twitter. @CARPINEJAR. Disponível em: <https://twitter.com/CARPINEJAR>. Acesso em: 20 out. 2024.

FREIRE, M. Twitter. @MarcelinoFreire. Disponível em: <https://twitter.com/marcelinofreire>. Acesso em: 10 ago. 2024.

GALERA, D. Aquela nova literatura. Disponível em: <http://www.literaturadigital.com.br/?apid=3230&tipo=12&dt=0>. Acesso em: 12 ago. 2013.

LAGMANOVICH, D. El microrrelato hispánico: algunas reiteraciones.Iberoamericana, Liverpool, v. 36, p. 85-96, 2009.

LANDERO, L. Relatos relámpago. Mérida: Junta de Extremadura, 2007.

SANTAELLA, L. Diagnóstico do contemporâneo. Estudos avançados, São Paulo, v. 38, n. 110, p. 7-18, 2024.

—————————-

Este texto integra o capítulo “Textos mínimos, múltiplos e incomuns”, escrito por Verônica Daniel Kobs e publicado no livro Leituras intermidiáticas e intermidialidades narrativas. Organizada por Cristiane de Mattos, Maria C. Ribas e Thaïs Diniz, a coletânea foi lançada em 2024, com o selo da Editora Pontes. 

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