Verônica Daniel Kobs
Thales Vianna Coutinho
Como pesquisadora na área de Literatura e Intermidialidade, na última década, meus projetos passaram a investigar as influências da tecnologia digital sobre as artes. Nesse contexto, autoria e leitura tornaram-se temas constantes e isso se acentuou ainda mais com o uso recente da IA generativa. Em 2024, organizei um evento internacional que teve Oswald de Andrade como autor homenageado. A partir dessa ideia, uma efeméride foi comemorada: 100 anos da publicação do Manifesto da Poesia Pau-Brasil. Como resultado, decidi combinar meus estudos nas áreas da Intermidialidade e da Tecnologia Digital, para testar a atuação de uma Inteligência Artificial diante do texto oswaldiano, no melhor estilo antropofágico. Foi assim que, por quase um ano, trabalhei em uma versão ilustrada do texto oswaldiano, usando um aplicativo de IA para a geração das imagens. Em abril de 2025, depois que a obra de Oswald de Andrade entrou em domínio público, a adaptação estava pronta para ser lançada.
Thales Vianna Coutinho é psicólogo, doutorando em Teoria Literária e, em 2024, foi meu aluno na disciplina de Literatura e Tecnologia Digital (que criei especialmente para os programas de Pós-Graduação stricto sensu da Uniandrade. Indo além da sala de aula, passei a trabalhar em parceria com esse aluno, em pesquisas que investigam a Literatura, o novo gótico, a Intermidialidade e a tecnologia digital.
Portanto, nesta conversa, revelamos alguns detalhes da versão ilustrada do Manifesto oswaldiano, publicada aqui, no Recorte Lírico, em abril deste ano, sob o título Pau-brasil reloaded: o dia em que Oswald de Andrade encontrou o algoritmo [1]. A discussão a seguir aborda diversos temas, como: autoria, leitura, humano versus máquina, confluência das mídias, antropofagia, brasilidade, cosmopolitismo… Confira!
THALES VIANNA COUTINHO: Quando se fala sobre o uso de IA, particularmente faço parte daqueles que duvidam do fato de que ela será uma inteligência próxima à humana. Ainda que brilhante, continuará sendo máquina. Uma das maiores limitações da IA realmente se deve à sensibilidade artística. Fiz esse preâmbulo para justificar minha primeira pergunta: pode nos explicar o que sensibilizou você em cada um dos trechos destacados, para que tenha solicitado à IA que os ilustrasse?
VERÔNICA DANIEL KOBS: Preciso confessar que, até certo ponto, os resultados oferecidos pela IA acabaram determinando minhas escolhas. A seleção inicial não era essa que aparece no Manifesto ilustrado. Um dos trechos que são caros pra mim, nesse texto de Oswald de Andrade, é: “A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos” (Andrade, 1924). No entanto, as ilustrações que a IA sugeriu para essa passagem foram reprovadas por mim. Aos poucos, percebi que o Canva (e outras IAs generativas) têm uma grande dificuldade para lidar com o que é abstrato. Ao mesmo tempo, as máquinas não lidam bem com metáforas e comparações. Por exemplo: um dos trechos que eu não selecionei, porque já conheço um pouco das IAs em geral, foi este: “A poesia Pau-Brasil, ágil e cândida. Como uma criança” (Andrade, 1924). Tive medo da representação literal que poderia surgir e, se isso ocorresse, a imagem não passaria pelo meu crivo (risos).
Outro problema dizia respeito ao recorte que eu fazia. Notei que quanto mais informações havia, em determinado trecho, mais a IA me entregava uma imagem difusa, que saía completamente do propósito do Manifesto oswaldiano. Era preciso saber onde cortar. Por essa razão, no excerto: “Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar. A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá” (Andrade, 1924), em que destaquei os termos que estão em itálico, fazia toda diferença incluir “Obuses de elevadores”, ou não. Incluir “O sabiá”, ou não. Precisei fazer inúmeros testes, para conseguir o melhor resultado. Foi cansativo, mas foi divertido também. Além disso, a experiência me permitiu exercitar meus conhecimentos sobre as relações da palavra com a imagem, já que atuo na área da Intermidialidade. Eu praticamente esquadrinhei o Manifesto de Oswald. Foram dezenas de tentativas, até que eu encontrasse as passagens que, na minha avaliação, produziram as melhores imagens.
Também quero dizer que concordo totalmente com você, no que diz respeito à falta de sensibilidade artística das IAs e à inferioridade delas em relação a nós. Costumo ver pessoas endeusando os chatbots e, mais recentemente, até cometendo erros crassos de ortografia ou evitando o uso de travessão, para não terem seus textos confundidos com produções feitas por IA, mas acho que o caminho não é esse. A IA não faz textos perfeitos e irrepreensíveis. Muito pelo contrário… Por isso, as limitações vão muito além da falta de sensibilidade artística que você citou. Elas usam um discurso raso, repleto de clichês e tautologias e quando elas encontram um humano que as corrija e peça arrumações frequentes, algo estranho acontece. Elas mudam as informações de lugar, mas não conseguem evitar o erro. Já houve vezes em que desisti, pois vi que a IA ficou presa em uma espécie de looping. E isso sem contar os terríveis erros de conteúdo: autores, anos ou títulos trocados e, até mesmo, citações que simplesmente não existem. As IAS parafraseiam e inserem aquele discurso, no texto, usando aspas…
THALES: As imagens geradas têm estéticas bem diferentes. Algumas realistas (como a da locomotiva), outras bastante abstratas, e tem até aquela dos pássaros sobre os prédios que tem elementos impressionistas. Como você considera que essa diversidade de estilos de ilustração dialoga com a mensagem principal do texto de Oswald de Andrade?
VERÔNICA: Recentemente, em 2024, no V Encontro Internacional do Mestrado e do Doutorado em Teoria Literária da Uniandrade, publiquei o artigo “Mise en garde! En garde! Oswald de Andrade e a poesia brasileira avant-garde”, em que analisei a relação das obras de Oswald de Andrade com todas as vanguardas. Claro que achei poucos traços surrealistas e expressionistas nos poemas dele, mas eles existem. Então, acho que seria extremamente redutor ilustrar o Manifesto da Poesia Pau-Brasil usando apenas uma estética. Oswald era do mundo. Era um cosmopolita e eu quis representar isso nessa versão contemporânea e cyber do Manifesto. Outra coisa é que pensei nos leitores. Era fundamental variar os estilos e as cores. Nesse sentido, travei outra pequena luta com o chatbot, porque, se eu deixasse, ele usaria uma paleta de cores bem específica para todas as imagens. Pelos resultados que ele me ofereceu, predominavam os tons de amarelo ou o preto e branco sobre um fundo sépia. Claro que, para um texto que trata da brasilidade, o amarelo é fundamental, mas precisei dosar isso. Já, no outro caso, considerei as ilustrações monótonas e preferi as que davam um toque colorido ao clássico preto e branco, até para garantir certa conexão com outras imagens.
Para satisfazer a curiosidade de alguns, que já me perguntaram a esse respeito, aproveito para compartilhar algumas imagens que descartei. Por exemplo: a IA sugeriu, e eu aceitei, uma imagem com a cor amarela para a frase “E a Poesia Pau-Brasil, de exportação” (Andrade, 1924). Porém, depois, ela tentou repetir essa tonalidade, quando pedi uma imagem apenas para “Poesia Pau-Brasil” (Andrade, 1924). Nessa hora, optei pelo verde colorindo o tradicional preto e branco, mas as primeiras ideias que o chatbot criou foram estas:


Até gostaria de saber a opinião dos leitores sobre isso [2]… Avaliei que a primeira imagem não tinha nada que a ligasse especificamente à ideia de brasilidade, com exceção das cores. Já, no segundo caso, as palmeiras estavam lá, mas o cenário era praticamente idêntico aos “casebres de açafrão e de ocre” (Andrade, 1924) representados na primeira ilustração. Evidente que meu gosto também influenciou nesse processo. Espero ter feito boas escolhas (risos).
THALES: O movimento modernista nas artes defendia uma ruptura com os padrões anteriormente aceitos como belos, favorecendo uma crítica à sociedade. Você considera que a revolução produzida pelo uso de Inteligência Artificial também tem potencial para produzir um rompimento estético?
VERÔNICA: Sim, mas ainda não posso avaliar se, no uso das IAs para a geração de imagens, esse rompimento é positivo ou não. É complicado opinar sobre isso agora, pois estamos no olho do furacão e, como se trata de uma novidade, não temos como saber a influência desse processo a médio e a longo prazo. No entanto, no que diz respeito às imagens criadas por chatbots, já percebo um problema que é ético, e não estético. Tudo está ao nosso alcance. Podemos criar situações, circunscrevê-las no passado e muitas pessoas serão levadas a acreditar que aquilo de fato existiu. Encontros que nunca ocorreram, ações imaginadas e isso interfere na História e na política. Sei que essas criações já existiam antes mesmo do advento das IAs. Se não fosse assim, não teríamos imagens clichês para mártires ou para heróis, mas agora isso foi potencializado por ChatGPT & Cia. No entanto, quando o assunto é a geração de textos verbais, creio que o rompimento estético já existe e é negativo. Quando a criação humana cessa e a máquina assume o protagonismo, não como autora, mas como coautora (e, às vezes, bastante medíocre), consultando milhares de amostras, combinando-as e as reorganizando, é preciso ficar alerta. Acho que isso limita a criatividade interferindo na estética. Além disso, há os problemas que sempre estão em pauta na sociedade, no que se refere à identidade, à subjetividade, à preguiça mental e aos direitos autorais.
THALES: Em determinado momento, Oswald de Andrade escreve: “Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo” (Andrade, 1924). Você considera que o uso de Inteligência Artificial na arte está “invertendo tudo”?
VERÔNICA: Em certo sentido sim. A IA está invertendo o status da verdade e da mentira, da realidade e da ficção, do possível e do impossível e isso está causando a maior confusão desde novembro de 2022, quando o ChatGPT foi lançado, apesar de muito antes disso terem sido lançadas outras IAs generativas. Sem dúvida, isso inspira cuidados e exige que sejamos cada vez mais hábeis na pesquisa e na curadoria de conteúdo. De certo modo, essa capacidade de a IA “inverter tudo” aumenta dois problemas gravíssimos recentes: fake news e pós-verdade.
E ainda tem mais… Refiro-me ao que considero uma espécie de maldição que cerca toda e qualquer tecnologia. Quando algo é criado, é impossível prever os usos que a sociedade irá fazer daquilo. Isso serve tanto para o caso da bomba atômica (1945) quanto para jogos aparentemente inofensivos, como Pokémon Go (2016). Guardando as proporções, nos dois casos pessoas foram mortas e essas criações rapidamente transformaram-se em problemas…
Hoje, as IAs generativas estão nos convidando para uma dança perigosa, em que estamos sendo confundidos com máquinas e as máquinas estão sendo humanizadas. Veja, por exemplo, a robô Sofia, que recebeu o título de cidadã saudita. O lado ruim dessa inversão é o fato de muitos aplicativos verificadores errarem ao classificar um texto de autoria genuinamente humana como sendo um produto gerado por uma Inteligência Artificial…
THALES: Recentemente, surgiu uma crítica na Internet em relação a um aplicativo que transformava fotografias pessoais em imagens análogas às produzidas pelo Estúdio Ghibli de animação [3]. Os críticos disseram que o uso de IA para reproduzir um estilo de desenho tão característico invalidava a arte de verdade. Como você analisa essa crítica contemporânea ao uso de IA em cima de obras de arte, tendo em vista o Manifesto antropófago, também de Oswald de Andrade?
VERÔNICA: As cópias sempre vão existir e esse não é um problema exclusivo da era digital. Vamos relembrar a arte italiana, por exemplo, e as várias esculturas falsas baseadas nas cabeças feitas por Amedeo Modigliani. A diferença é que a tecnologia digital facilita as reproduções. Já há vários anos, podemos usar editores de fotos para colocar nossa própria imagem na capa da revista Times ou da Vogue. Claro que esse não é um exemplo similar ao citado por você. Então, vamos lá… Em 2011, na revista Scripta Uniandrade, publiquei o artigo “Liter@[email protected]”, que tratava das mediações eletrônicas na Literatura e nas outras artes, e descobri o site http://www.webexhibits.org. Nessa página, podemos mudar as cores e a luminosidade de quadros de Monet, ou podemos fazer uma décima primeira Marilyn Monroe no mesmo estilo que Andy Warhol usou na famosa tela Ten Marilyns. Do mesmo modo, em outros aplicativos, podemos adotar o estilo pop de Warhol em fotos nossas. Às vezes, pode se tratar de algo lúdico, como no caso dos aplicativos de edição de fotos, mas, em outras ocasiões, a utilização desses recursos pode ter um cunho pedagógico, como parece ser a intenção do site Web Exhibits. Não acredito que essa facilidade de reprodução interfira no quadro ou “na arte de verdade”, como você chamou. Pelo contrário, considero que essa popularização serve para destacar ainda mais a importância daquela obra de arte. O clássico quadro Mona Lisa, por exemplo, não perdeu seu status quando Marcel Duchamp representou a musa de Leonardo da Vinci com bigode e cavanhaque. Aliás, a Antropofagia tem tudo a ver com o ready-made dadaísta. Vamos lembrar que os manifestos oswaldianos foram inspirados pelas vanguardas europeias… A intertextualidade é o que nos move. Diariamente nos apropriamos de ideias que lemos, vemos e ouvimos. No fluxo ininterrupto, múltiplo e às vezes até caótico da comunicação, reproduzimos, emprestamos, citamos, modificamos. Esse processo é salutar e necessário para o diálogo e para a evolução, em qualquer sociedade — na arte e fora dela.
THALES: Em vários momentos do texto, Oswald ironizou o culto à erudição e à importação de modelos artísticos europeus [4]. Considerando que os algoritmos de IA são majoritariamente treinados em bancos de dados estrangeiros, como você avalia o uso da IA para captar e representar visualmente aspectos genuinamente brasileiros?
VERÔNICA: Mesmo na época em que estamos agora, que valoriza muito a representatividade, o local de fala, etc., não vejo isso como um problema. Isso não anula a intertextualidade que perpassa todos os discursos que são produzidos, seja por IA, seja por nós, humanos. Antes dos chatbots, nós mesmos usávamos referências estrangeiras para produzir nossos discursos, em forma de escrita, de fala ou de imagens… Isso é Brasil. Essa mentalidade nos determina, assim como define as demais sociedades que passaram pelo processo de colonização. Porém, é preciso deixar bem claro que isso não é nenhum indicativo de atraso ou de incapacidade. Pelo contrário… É querer ser mais alcançando aquele modelo que é referência não somente para nós, mas para outras culturas também. Oswald de Andrade fez isso. Por meio do Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924) e do Manifesto Antropófago (1928), ele usou as vanguardas europeias para assumir as influências e para incentivar a criação de híbridos estéticos e culturais. Outro ponto que vale ressaltar é que, no Manifesto de Oswald, há vários elementos que hoje são associados à brasilidade, mas que foram importados. Nesse sentido, não acredito na expressão “genuinamente brasileiros”. Um exemplo disso é o vatapá, citado pelo escritor modernista. Trata-se de uma iguaria da culinária baiana, sem dúvida, mas sua origem é africana.
THALES: Oswald falava de uma arte voltada para as elites e propôs uma nova arte de massas. O uso de IA democratiza o acesso à criação estética ou apenas transfere o poder criativo para quem domina a tecnologia?
VERÔNICA: Infelizmente, considero que, hoje, nenhum tipo de recurso digital pode ser considerado totalmente inclusivo. Isso só ocorre para aqueles que têm condições financeiras de acompanhar a evolução, que corre em paralelo com a obsolescência dos dispositivos, dos programas/aplicativos e até mesmo das redes sociais, formando um ciclo vicioso. Entretanto, há escolas que ainda não têm acesso a computadores e smartphones. Conheço escolas que não têm dinheiro nem para o giz. Além disso, embora o índice de analfabetismo apresente redução, ano após ano, o número de analfabetos funcionais é bastante significativo. Segundo o IBGE, em 2024, essa taxa era de 29%, correspondendo a mais de 60 milhões de pessoas. Ou seja: um terço da população nacional.
Nossa sociedade criou uma fachada tecnológica que parece comercial de margarina. Todo mundo feliz e conectado. Porém, na realidade, existem pessoas que não têm conta em banco, nem cartão de crédito ou de débito, nem TV a cabo e que nunca fizeram PIX, por exemplo. Com base nisso, já é possível supor que o acesso à Internet, às hipermídias e a tecnologias de ponta (de realidade aumentada, entre outras) ainda é um sonho muito distante…
THALES: A intermidialidade não se limita a juntar diferentes linguagens, mas a produzir zonas de ambiguidade e novas formas de leitura. Houve momentos em que a imagem pareceu contradizer ou ironizar o texto?
VERÔNICA: Sim, sobretudo porque eu não forneci o texto inteiro, quando pedi que o Canva gerasse as imagens. Dessa forma, a IA tinha que recorrer às informações disponíveis em seu banco de dados, para tentar entender o contexto.
No prompt, eu informava somente o trecho que deveria ser ilustrado. Além disso, o comando era genérico, porque eu não queria limitar demais a criação imagética. Na verdade, eram testes, para saber qual caminho a IA seguiria. Minha expectativa era que o chatbot me surpreendesse e isso aconteceu algumas vezes, como no caso da ilustração que foi criada para “A riqueza dos bailes”, minha preferida. Os maiores desacordos ocorreram com os trechos que usavam abstrações ou metáforas. Nesses casos, a maioria das imagens geradas foi simplesmente frustrante. Como mencionei antes, percebi que o Canva tem uma grande dificuldade para interpretar algumas passagens. Em “A língua sem arcaísmos” (Andrade, 1924), as contradições em relação ao conteúdo do Manifesto foram tão evidentes que eu tive que escolher uma imagem de estilo geométrico para ilustrar essa parte.
THALES: Você acredita que a transposição do Manifesto da Poesia Pau-Brasil para um formato ilustrado com imagens geradas por IA contribui para atualizar sua função crítica?
VERÔNICA: Sem dúvida. Ainda mais hoje, quando o uso das IAs generativas está em pauta, no mundo todo. Creio que o formato ilustrado já seria um diferencial, mas, em se tratando de imagens feitas por uma máquina, a novidade é potencializada. Como ocorre em qualquer adaptação, e usando a nomenclatura de Gérard Genette, o hipertexto, na maioria das vezes, faz o leitor chegar ao hipotexto (ou voltar a ele). A partir daí, as comparações são inevitáveis e, ao fazer isso, privilegia-se a fruição estética de ambos os textos. Em outras palavras: por meio do novo texto, o texto anterior renasce — atualizado —, em um novo contexto e em uma nova época. Na maioria das vezes, em uma adaptação temporalmente distante da obra-base, o texto anterior pode ganhar nuances bem significativas, e às vezes até contraditórias. Contudo, no caso do primeiro Manifesto de Oswald (1924) e de sua versão ilustrada (2025), isso não aconteceu. Em vez disso, o tempo que separa essas duas produções serviu para consolidar e reafirmar as ideias do autor. Não sei até que ponto o fato de eu ser fã de Oswald de Andrade interfere negativamente no meu julgamento, mas acredito que, ao descrever a “Poesia Pau-Brasil”, o escritor demonstrou que estava muito à frente de seu tempo.
THALES: Em tempos de hipermídia e realidade aumentada, como você pensa que o trabalho com texto verbal e imagem pode formar novos leitores?
VERÔNICA: Não acho que, hoje, um texto multimidiático contribui para formar “novos leitores”. Como você apontou, estamos em uma época em que a imersão e principalmente a convergência são normais. Por isso, o leitor já espera que o texto apresente certas características e, nesse sentido, a síntese e a multiplicidade estão no topo da lista. Sob essa perspectiva, acho que o Manifesto da Poesia Pau-Brasil em formato ilustrado, assim como outras produções multimidiáticas, não tenta seduzir ou conquistar o público. O que existe é apenas a tentativa de corresponder ao que temos hoje e, pelos mesmos motivos, os leitores não esperam nada diferente disso.
REFERÊNCIA
ANDRADE, O. de. Manifesto da poesia pau-brasil. Correio da manhã, 18 mar. 1924.
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Notas de fim:
[1] Para ler ou reler o texto Pau-brasil reloaded: o dia em que Oswald de Andrade encontrou o algoritmo, acesse: https://recortelirico.com.br/2025/veronicadanielkobs/oswald-de-andrade-algoritmo/).
Recentemente, a versão ilustrada do manifesto owaldiano foi publicado em forma de ensaio, na revista Scripta Uniandrade, sob o título: “Para comer com os olhos: O Manifesto da Poesia Pau-Brasil ilustrado por Inteligência Artificial”.
[2] Para acessar o Making of e ver outras imagens que foram geradas pela IA, mas descartadas por Verônica Daniel Kobs, basta seguir o link: https://n9.cl/chmxv. Para ver o Manifesto da Poesia Pau-Brasil Ilustrado, publicado aqui, no blog Recorte Lírico, acesse o link indicado na nota anterior.
[3] O renomado diretor Hayao Miyazaki, do Studio Ghibli, criticou veementemente o uso de Inteligência Artificial para criar imagens no estilo de suas animações, considerando a prática “um insulto à própria vida” (G1, 2025). Suas declarações ressurgiram após a popularização de ferramentas de IA que replicam o estilo do estúdio sem autorização, e inspiraram críticas de diversos influenciadores digitais, que se dividiram entre concordar e discordar dele.
[4] Em vez de venerar a cultura europeia, propôs devorá-la criativamente.
SOBRE O COAUTOR:
Thales Vianna Coutinho: Doutorando em Teoria Literária no Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE). Professor do Curso de Psicologia no Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE).
E-mail para contato: [email protected]


























