A bruxaria na literatura brasileira (1): A fome, de Rodolfo Teófilo
Mariel Reis – marielreis.rj@gmail.com
1. O poder e a peste – A vida de Rodolfo Teófilo, de Lira Neto, serviria para ilustrar a conexão com a modernidade do escritor em um tempo marcado pela pandemia de coronavirose. Ele combateu a epidemia de varíola em terras alencarianas mesmo com a oposição do governador Antônio Pinto Nogueira Accioli.
2. A fome (1890) é o romance de estréia de Rodolfo Teófilo, um polígrafo. Ele é autor de 28 obras de temas diversos: História das secas no Ceará (1883), Os Brilhantes (1895), Maria Rita (1897), O Paroara (1899), Violação (1898), e outras. Participou de diversas agremiações literárias: Instituto Histórico e Geográfico do Ceará, o Clube Literário e a Padaria Espiritual.
3. Rodolfo Teófilo publicou o romance A fome em 1890. Descreve a grande seca de 1877-79 no Ceará. O enredo da obra é parecido com o de O Quinze, de Rachel de Queiroz. Não por acaso, a autora de João Miguel, o chamava de avô. Destaca-se a descrição de Fortaleza no século XIX na obra. Outro escritor também a realizou: Adolfo Caminha em A Normalista.
4. Em A fome, a bruxaria é um assunto explorado lateralmente. Quitéria é descrita assim: “Era branca, rosto pálido e bastante sulcado pela velhice, tendo rugas mais salientes e em maior número do que exigiam os seus cinquenta anos. Um nariz enorme e curvo, como o bico das aves de rapina, levantava-se como uma parede em meio de dois olhos pequenos vivos e verdes, com raríssimas pestanas, arqueadas sob grossas sobrancelhas grisalhas. A testa enorme e arrampada para a nuca fazia um contraste com o queixo pontiagudo, que, à falta absoluta de dentes, deixava unir os maxilares e beijava a ponta do nariz. As orelhas enormes parece que cresciam, havia meio século; eram tão finas, que quase a luz as atravessava, e estavam presas ao rosto como as aldrabas a um baú. Balançavam, ao menor movimento do corpo, e quase tocavam as clavículas”.
5. A feiticeira de A fome é vista com desconfiança pela vizinhança: “Em segredo diziam que Quitéria tinha pacto com o diabo, com quem conversava todos os anos, na véspera de São João, em uma encruzilhada, à hora da meia-noite”. À bruxa é atribuída malignidade e ligação com o demônio.
6. Na História do medo no Ocidente, de Jean Delumeau, especulam-se 3229 execuções, no sudoeste da Alemanha, em 1560, pela acusação de bruxaria. Entre 1580 e 1680, na Escócia, 4400 condenados. A suspeita sobre as mulheres é derivada do imaginário fantástico/maravilhoso ainda não diluído.
7. Bruxarias, sortilégios, encantamentos ou qualquer laivo de misticismo sempre recaíram sobre o sexo feminino pela incompreensão da natureza biológica, fisiológica e morfológica com alguma influência da misoginia eclesiástica. Em diversos livros da literatura brasileira estão presentes traços do tema.
Salve a estreia do Mariel, que demonstra conhecimento de pesquisador experimentado.
Confesso que nunca havia ouvido o nome de Rodolfo Teófilo…nem ligado à “tia” Rachel.
Abraço do Beto.
Obrigado, Adalberto. Em frente. Abçs Mariel Reis