Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2017

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Mãe? Acho que você não está mais por aqui. Você deve estar se perguntando ‘O que esse filho da puta quer comigo agora?’ e sabe eu também não descobri. Tenho quarenta anos, quase dois filhos, umas tantas mortes que me pesam bastante, a minha quase morte e aqui estou eu perguntando ‘Mãe? ‘, ‘você está por aqui?’ , sem nenhuma resposta além daquelas ditadas pela minha própria cabeça. É assim que funciona um escritor: acaba sempre por responder as próprias perguntas. ‘Já está dando muitas voltas, caralho…’ , eu sei, mãe, eu sei, mas muita coisa aconteceu e falar de todas elas é difícil; na verdade, no duro mesmo, talvez eu não tenha sido um bom filho. Sério. Não, não, eu realmente não fui. ‘Quer falar algo que eu não sei?’ ; tá certo, a gente tem pouco tempo, veja só, muito pouco mesmo. Algum tempo atrás, eu tinha certeza de que tinha a eternidade pela frente, mas é mentira. Não tenho. Quer dizer, a única eternidade que tenho está em minhas lembranças. Nela tudo permanece intacto: o que há de bom e de ruim. E sabe de uma coisa? Tenho saudades de ambos.

‘Pare de falar merda…’ ; não, mãe, não estou falando merda. Meus irmãos todos naquela casa repleta de goteiras que nos dias ensolarados parecia repleta de colunas de sol que atravessavam as telhas, deitavam-se no chão e corriam mansas para os nossos pés. ‘Pare de enrolar, porra’ . Mãe, mãe, você está aqui? Você sabe que Isabelle, minha filha, vai fazer quinze anos; Menelau está morto e eu, meu Deus, eu só estou aqui porque tenho muitos compromissos inadiáveis. Terei mais um filho. É. Mais um. Preferi dar a notícia a você por aqui, de um jeito moderno, a senhora sabe, pelo feicebuque. Escrevi um monte de outras cartas. Algumas pedi a Marise para entregar. Todas ficaram sem resposta. Ao contrário dessa em que invento o meu diálogo com você: minha filha dorme, meu filho sonha na barriga da mãe e meu cachorro vigia, ao meu lado, enquanto escrevo, a copa das árvores lá fora. ‘Mariel, caralho, já tem nome?’ ; sim, mãe, tem nome, muitos nomes, aliás. Eu também tenho muitos – agora eu sou o meu sobrinho, os meus irmãos e tanta gente que já embarcou. Sou todos eles, inutilmente. ‘ Porra, você tá chorando?’ ; mãe, sim, tô, é difícil, muito difícil escrever tanto tempo depois. Aqui faz um sol de rachar, tem muita gente boa debaixo dele, muito filho da puta, mas, como se diz, faz parte.

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Mãe? Parece que você não está mais me ouvindo. Compreendo. Seus ouvidos, desfeitos pelos ventos, subiram tão alto, talvez às nuvens, lá podem escutar uma música melhor do que a do meu canto. Não tem nenhuma importância, nenhuma. Um escritor está acostumado a ser abandonado até por seus fantasmas. Escrevi para dizer isso: parece pouco, não? ‘Essa merda não acaba?’ ; ah, mãe, acaba, sim. Lembro que, sentado na praça perto de casa, em 1995, escrevi uma carta ainda maior, disse ali tantas coisas, mas a principal era que o meu amor era mau. Mãe, me desculpe, eu não sabia amar, como a senhora pode ver, alguma coisa mudou. Você não precisa mais ficar preocupada, fingir indiferença, como eu fiz durante muito tempo. A gente sabe que se perdoou. ‘ Como você sabe? Virou adivinho?’ ; mãe, eu não sei; quer dizer, foi o silêncio quem me contou.


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