Um breve ensaio sobre a Cultura do Subúrbio

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Há um ciclo muito forte que exige renovação de narrativa e de perspectiva para o frescor do consumo, seja qual for, da perspectiva dos grandes centros urbanos. Volta e meia os holofotes são voltados para os subúrbios e as periferias em busca de valores que agreguem às capitais. O primeiro erro está aí: jogar a luz sob um determinado grupo geográfico marginalizado para resgate de algo genuíno, retirando-o do lugar, ao invés de alimentar a sua sobrevivência, de valorizar sua terra e seus semelhantes. Tiram o peixe da água e perguntam o motivo de ele ter morrido.

A expressão “subiu na vida” é comumente cunhada por quem sai de uma condição desfavorável para o mínimo de conforto, geralmente do bairro pobre para o bairro de classe média. Por qual motivo o próprio bairro pobre não pode ter estímulos para tornar-se bairro de classe média? Não exatamente nas configurações de renda apenas, mas nas de moradia, de saúde, saneamento, ambiental e de vida mesmo.

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Desde os sambistas nos subúrbios cariocas – é interessante pensar que Madureira era mais subúrbio ontem que hoje e os próprios moradores do bairro olham para trás, para Deodoro, Anchieta, Mesquita, Queimados e Japeri com o mesmo olhar de distanciamento e julgamento dos quais eles mesmos são alvos de quem vive no Méier, Tijuca e centro – a jovens punks nas periferias estadunidenses e os membros da cena hip-hop paulistana as regiões das margens dos grandes centros urbanos tem sido celeiros de grandes talentos. Mesmo que ainda haja a prática de alguns, em cada vez menor escala, que negam o bairro de origem por vergonha e medo de estereótipos, há a ocorrência de movimentos importantes da valorização da cultura suburbana como Sergio Vaz da Cooperifa, Cooperativa Cultural da Periferia, e Dudu de Morro Agudo, do Instituto Enraizados.

Outro fator de início de ruptura da invisibilidade dos valores dessas regiões está na chamada por Nestor Canclini de “teleparticipação”. O antropólogo argentino define que o termo consiste na conjuntura de a população humilde passar de expectadora a protagonista da tecnocultura. Há a estética de periferia e o orgulho do berço através dos Racionais MC’s, dos grupos de pagode e hoje dos funkeiros. O movimento foi da participação em programas de auditório ao pagode e o funk dos anos 90 e aos fenômenos virais das redes sociais da atualidade. Nestes destacam-se pessoas que saíram do anonimato sem auxílio de produtores para a popularidade. Isso falando de aceitação do corpo, mudanças estéticas e de saúde, de cultura local, de humor e de outras manifestações originais.

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Um bom exemplo está no futebol como manifestação da cultura popular. A torcida do Flamengo começou a ser chamada em certa época de favelada com uma forma conotativa. Nas derrotas as torcidas rivais entoavam que era “Silêncio na Favela”. Não há como apontar dedos, nem definir torcidas, mesmo porque Flamengo é um bairro da zona sul do Rio de Janeiro, reconhecidamente de elite econômica. Mas a torcida é de massa, a mais numerosa do país e, por consequência, abrange grande parte das camadas mais simples da população. Em contrapartida, ao entoar que a favela está em silêncio, numa comemoração espontânea, há intrínseco o ódio de classes. O que foi feito pela torcida dita como favelada? A absorção da alcunha e nas comemorações de vitórias a torcida do Flamengo passou a cantar “Festa na Favela”. O silêncio que pedem para a favela pouco incomoda desde então.

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Por outro lado, é preciso olhar para o cidadão comum das capitais. Viver na grande cidade, neste caso o Rio de Janeiro, implica em um mergulho no anonimato padronizado em massa. Não só agentes poderosos como editoras, emissoras, curadores e produtores que têm buscado talentos diferenciados, mas também os próprios artistas de contextos comuns andam buscando beber na fonte dos subúrbios. Foram esses movimentos como os engendrados pelos Racionais MCs que conduziram um orgulho peculiar de quem vive com mais dificuldades e menos privilégios até que alguém saísse da zona confortável dos bairros mais abastados para tentar absorver a estética original do subúrbio.

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Não duvidaria que alguns dissessem ser de Nilópolis – “perto da Beija-Flor, pô” – ao invés de dizer ser da Praça Seca ou de Vaz Lobo. A mística de vir de baixo, de produzir uma arte de trás para frente, com olhar através das distorções e injustiças sociais, faz com que mais gente busque esse tipo de palanque. Mas é no subúrbio e na Baixada que o artista, sendo ele ator, músico, escritor, bailarino, está em três empregos, em horários confusos, buscando nos trajetos e nos poucos momentos de lazer fazer a sua arte. Isso sem contar outras variáveis, por si só não torna possível que seres de outras realidades assumam essa condição e essa narrativa. Em outras palavras, para ser da Terra de Ninguém não basta querer, é apenas ser, existir ou, no popular, já é.

Ser da favela, da comunidade ou da Baixada tornou-se cool. Há um movimento de buscas por talentos nesses lugares. Mas até que ponto é uma busca por algo genuíno, com assinatura de experiência de quem nasceu com mais dificuldades e bebendo de uma cultura local diferente das capitais? Ou, talvez, uma busca por uma atração circense de bobos da corte servindo à elite entediada?

Este ensaio pretende iniciar um debate sobre quais são as identidades dos moradores dessa espécie de subúrbio do subúrbio do Rio de Janeiro, a temida Baixada Fluminense. Porque a identidade que os outros cunharam para quem é da Baixada já é sabida: pobres, negros, violentos, sujos, bagunçados e distantes. É a intitulada em jornais da metade do século passado como Terra de Ninguém. Mas e os próprios, qual a definição que dão para si mesmos? São alguém ou ninguém, de fato?

A quem está do outro lado do túnel, no início da linha do trem (ou final), na Central, “lá no Rio” ou “lá embaixo”, a cultura da Baixada Fluminense é muito mais complexa do que se possa imaginar.  Aliás, dizemos que vamos “lá embaixo” ao ir para o Rio porque nos consideramos sempre no topo. É assim que a gente fala na Baixada Fluminense.


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