[Wladimir Saldanha] Um facho de luz em meio à névoa

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O poeta baiano Wladimir Saldanha em seu novo livro — “Modos de romper a névoa” (Crítica) — lança nova luz ao ambiente poético de nosso tempo no Brasil. A crítica de poesia brasileira contemporânea se estende a autores que compreenderam o que o poeta-crítico intitulou de “underground estético“, conceito tomado de empréstimo ao último Harold Bloom e sobre o qual o autor explana nesta entrevista.

Num paratexto do livro, o poeta e tradutor Wagner Schadeck destaca que a obra é resultado do “empenho de um experimentado na poesia, sem fazer desta jamais seu experimento”.

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E completa: através destes ensaios, Wladimir Saldanha, um dos grandes poetas desta geração, apresenta uma visão pontificadora, diversa das tendências acadêmicas ávidas pelos abismos das crises, esclarecendo mal entendidos históricos e estéticos, como a herança da Geração de 45 ou a viabilidade do verso livre, reatando de maneira magistral, a nossa produção poética, não a partir do deserto estéril da crítica universitária, mas através de arqueologia de nossas letras.

[Wladimir Saldanha] Um facho de luz em meio à névoa
Wladimir Saldanha, arquivo pessoal

O crítico Wladimir Saldanha lança este olhar percuciente (e erudito) a uma seleta de poetas e de livros que provam a força do fenômeno de compreensão deste fato motor do livro e que lhe dá unidade – a névoa que se dispersa sobre o palco da poesia, essa espécie de gelo seco que iria tomando conta da expressão, não fosse o milagre do surgimento de tão bons valores poéticos, apesar do mainstream contemporâneo em geral e contra o culturalismo dominante nos suplementos literários e departamentos de Letras.

Saltam aos olhos do leitor deste “Modos de romper a névoa” a personalidade grandiosa e nem sempre bem analisada do poeta Lêdo Ivo, a quem Wladimir dedicou sua tese de Doutorado, completada na Universidade Federal da Bahia, em 2014 (ver anexo). Entre os autores analisados neste poderoso livro de crítica de poesia, destacam-se: Carlos Nejar, Alexei Bueno, Antonio Machado (em tradução por Sérgio Marinho), Cláudio Neves, Daniel Gil, Denise Emmer, Érico Nogueira, João Filho, Lorena Miranda Cutlak, Pedro Mohallem, [João] Marra Signorelli e Orides Fontela.

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1. A unidade obtida em “Modos de romper a névoa” se deve à sua experiência de leitor somada aos estudos acadêmicos, até o nível de doutorado, mas qual foi o passe de mágica como escritor que o levou a inovar com coragem e firmando uma nova mirada sobre a poesia brasileira?

O contato pessoal com poetas como Bruno Tolentino e Lêdo Ivo, que tinham uma visão muito própria da história da literatura brasileira. Foi um aprendizado, que ao mesmo tempo se amalgamou a leituras da grande crítica brasileira e aportes teóricos.

2. Tenho sobre a mesa dois estudos similares (dedicados só a Poesia) – “Diálogos sobre a poesia brasileira” (Temístocles Linhares) e “Papéis de poesia (A. C. Secchin), separados por muitos anos (1976-2014) e, de lá pra cá, vi pouca coisa dedicada inteiramente à crítica de poesia. Você preenche um vácuo editorial ou exerce o ofício por entender necessário firmar uma nova mirada?

Exerço o ofício por ser correlato à minha atividade poética. Há uma tradição de poetas-críticos em que pretendo, ainda que modestamente, inserir-me. Não há dúvidas, porém, de que é necessária uma nova mirada e de que há lacunas. Não sei se meu trabalho pode ter essa ambição de perspectiva e suprimento, mas tento, como em poesia criativa, fazer o melhor possível.

3. O esquecimento a que a Academia relegou o poeta alagoano Lêdo Ivo tem um acerto de contas em seu livro? Você conheceu o poeta para fazer a tese e aprofundar os textos ali existentes? Se sim, como foi o contato?

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Wladimir Saldanha com o poeta Lêdo Ivo, cerca de 2010.

Sim, é um acerto de contas, pois a ele dedico três textos, caso único, além de estruturar com dois desses textos a passagem da seção de resenhas para ensaios. O contato pessoal com Lêdo Ivo, além da pesquisa em sua obra e arquivos pessoais, foi muito formativo para mim, muito enriquecedor. Tinha uma memória prodigiosa, apesar da idade avançada, e sempre se posicionou com coragem intelectual em variados temas, nos quais, muitas vezes, era ou tornou-se opinião minoritária.

Nada o atemorizava. Foi ele próprio ensaísta, aliás dono de um estilo delicioso, misto de memorialismo, jornalismo literário e análise textual, aparentada às “leituras cerradas” do New Criticism. Meu depoimento sobre o contato pessoal é o de uma pessoa agradecida pela generosidade de um grande homem, que pela extensão do conhecimento e pujança da obra não será exagero chamar de gênio.

4. Ao lado de um passeio aprofundado em obras de jovens poetas da atualidade literária do Brasil, de Érico Nogueira a Emmanuel Santiago, passando por Mohallen, Lorena Cutlak e Marra Signorelli, você se fundamenta em um conceito de Harold Bloom intitulado “underground estético” – em que se flagra uma espécie de reação da nova geração de poetas “acuados [que se encontravam] pelo vale-tudo culturalista”. Essa reação poderia gerar, seg.

Bloom, “alguma coisa semelhante à alegria de leitura” (p.187 de Modos…); pois bem, diga em resumo aos leitores da Recorte Lírico de que se trata o conceito e como você liga os casos ali enquadrados nessa espécie de retorno ao cânone e ao texto que não tenha finalidade de combate cultural.

De um lado, temos o Culturalismo, que propõe a ascensão estética de critérios temáticos como proveniência, ancestralidade e pertencimento. De outro, temos o que sobrou das vanguardas do século XX, ainda sonhando um sentido progressista de poesia, proclamando a inanição da discursividade e das formas fixas. Esses autores, ao menos pela sua obra poética até agora publicada (não respondo por adesões posteriores) não se enquadram em nenhum dos lados. Estão no subsolo, fazendo um trabalho de poesia lírica de viés estetizante, servindo-se de todo o aporte da tradição.

Não surgem do nada, uma vez que o lirismo discursivo sempre correu à margem tanto das vanguardas visuais quanto do recém-chegado Culturalismo, basta lembrar os nomes de Ivan Junqueira, Alexei Bueno, Carlos Nejar ou o próprio Lêdo Ivo. Mas o que distingue esses poetas é uma espécie de angústia do cânone, pois são extremamente canônicos (no bom sentido, sentido de tensão criativa). Como se, percebendo o estado de coisas da agonia do cânone, a poesia reagisse vigorosamente.

5. Quais as reações que você vem sentindo por parte do ativismo culturalista em relação ao seu trabalho e o que espera depois de “Modos de romper a névoa”. Afinal, que névoa é mesmo esta?

Até agora, fui tido, ainda que às vezes não em resposta direta, mas suficientemente clara, como: “usurpador”, “reacionário” e até “preconceituoso estrutural”. Isso responde sua outra pergunta: essa é a névoa. Criou-se um “parti-pris”, uma cadeia de pressupostos estabelecidos no mundo literário, e questionar isso é ser um pária.

6. Considerações finais e uma minibio do Autor.

Modos de romper a névoa encontra-se à venda no site da Editora Mondrongo e corresponde a um aporte teórico-crítico da antologia bilíngue 

Contracorrente, organizada e traduzida para o francês por mim.

Afora os textos sobre poesia contemporânea, abordo a questão da acusação de plágio feita a Otto Carpeaux e as dificuldades de tradução de Paul Verlaine.

Minibio.

Wladimir Saldanha nasceu em 1977, em Salvador. Mestre e Doutor em Teoria Literária pela UFBA, é poeta, crítico e tradutor. Publicou os seguintes títulos: Culpe o ventoLume Cardume Chama, Cacau Inventado, Natal de Herodes (Prêmio da Academia Pernambucana de Letras) e Arte Nova. Organizou e traduziu para o francês a antologia de poesia contemporânea Contracorrente. Prepara uma antologia de poesia francesa. Atualmente, aguarda a publicação de sua antologia de poesia belga, pela Editora Spleen.

ANEXO – Tese de Doutorado de Wladimir Saldanha sobre a obra de Lêdo Ivo – “EXATO OCEANO:A ESCRITA DE LÊDO IVO, DA GERAÇÃO DE 45 À METAPOÉTICA DA ÁGUA”.


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