O real maravilhoso e o realismo fantástico sob os olhares do hoje

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“Não gosto de fantasia. Gosto de fantasiar.”

Certa vez essa frase ecoou sem qualquer sentido. Mas a entonação dizia que havia alguma compreensão que fugia ao momento. Passados alguns anos o olhar afiado faz perceber as distinções na confissão destacada. Foi o escritor cubano Alejo Carpentier o percursor da expressão “real maravilhoso”. No prefácio do livro “El reino de este mundo”, de 1949, a expressão define um gênero literário.

A presença de elementos fantásticos neste gênero é justificada com base sólida em elementos da racionalidade e da verossimilhança. É a mágica que só faz sentido se ocorrer em contexto crível, real. Ocorre no conto de F. Scott Fitzgerald, “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Publicado em 1922, a história narra a trajetória de Button que nasce velho e rejuvenesce ao longo dos anos. Todo o contexto social do fim do Século XIX e início do Século XX, o escopo familiar e as dores e alegrias dos personagens servem de base real para a fantasia.

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Já o “realismo mágico” possui como uma das principais características a ausência de necessidade de explicação dos elementos irreais ou que sejam alheios à credibilidade da verossimilhança. É o caso, por exemplo, da obra de maior expoente de uma escola literária, de uma região e de um período: “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Marquez. Enquanto no Realismo Mágico há a suspensão da realidade, no Real Maravilhoso o irreal exige alguma contextualização lógica.

A influência das duas vertentes pode ser percebida de forma clara em obras de heróis nos quadrinhos e nas animações da Disney para o cinema. O filme “Viva, a vida é uma festa” (no original, Coco), de 2018, o realismo fantástico com elementos latino-americanos está evidente. Mesmo se passando no México, no “dia dos mortos” – tradicional data da cultura mexicana – é possível reconhecer uma espécie de Macondo e, sobretudo, o mesmo tipo de diálogo com outra forma de realismo entre vivos e mortos. Não há justificativa, apenas a narrativa recorrendo ao mágico.

São exemplos de realismo mágico: Ficções, de Jorge Luis Borges; Dom Quixote, de Miguel de Cervantes; Pedro Páramo, de Juan Rulfo; A Hora dos Ruminantes, de José J. Veiga; Os Vivos e os Outros, José Eduardo Agualusa; A Armadilha, Murilo Rubião. O mexicano Juan Rulfo, por exemplo, é considerado por muitos estudiosos o escritor que inspirou Garcia Marquez a escrever Cem Anos de Solidão. O angolano Agualusa é um dos grandes nomes contemporâneos da literatura em Língua Portuguesa. E, por fim, Cervantes, o grande pai do romance moderno com seu Dom Quixote.

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O real maravilhoso e o realismo fantástico sob os olhares do hoje
“Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Marquez, marcou toda uma geração de escritores e leitores sul-americanos.

Aliás, sobre a sentença inicial, é possível compreender a diferença entre fantasiar e fantasia. Gostar de fantasia talvez seja sobre total falta de verossimilhança. Mesmo as alegorias, um mundo totalmente novo talvez não seja do gosto de alguns leitores. Já gostar de fantasiar se encaixa perfeitamente nas vertentes do real maravilhoso e do realismo fantástico. Não há evidências lógicas que dissertem sobre necessidade de fantasia. Teorias da psicanálise poderiam facilmente deduzir que a acidez da realidade desperte a necessidade de fuga para a fantasia.

O que levou a produção de Cem Anos de Solidão? Não é possível definir com certeza. O que levaria hoje um escritor paulista a produzir realismo fantástico na sua capital? E um escritor baiano? As motivações e inspirações são variadas. Nestes atípicos anos de 2020 e 2021, a fantasia se reencontra e se reinventa. Para muito além da literatura, o real maravilhoso pode ser a chave para algumas sobrevivências. É a ciência da arte salvando vidas mesmo que de forma mágica.


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