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O zumbi que habita em nós

Na era do novo gótico, os zumbis são os protagonistas. Nas artes, nos meios de comunicação de massa e até mesmo nas manifestações populares, o

Na era do novo gótico, os zumbis são os protagonistas. Nas artes, nos meios de comunicação de massa e até mesmo nas manifestações populares, o horror e o estranho refletem as transformações da sociedade contemporânea. A dominação zumbi realmente impressiona e, para demonstrar a relevância disso para os dias de hoje, seguem-se alguns exemplos. Comecemos pela estética new weird no cinema e na literatura, que reúne a reedição do longa Eu sou a lenda, o sucesso Guerra mundial Z e releituras de clássicos da literatura, como Orgulho e preconceito e zumbis, de Seth Grahame-Smith; e Memórias desmortas de Brás Cubas, de Pedro Vieira. No teatro, em 2014, a companhia Vigor mortis levou aos palcos curitibanos a peça Marlon Brando, whiskey, zumbis e outros apocalipses. Para este mês, está prevista a estreia da sequência de Zumbilândia, dez anos depois do lançamento do primeiro filme. Esse grande intervalo demonstra a longevidade dos zumbis em nossa cultura.

Na TV, o destaque vai para a série The walking dead e até mesmo para programas de culinária:em um episódio deGuerra dos donuts, as participantes deveriam decorar o donut com base na temática zumbi; e, em um dos desafios de Bake off – mão na massa, foi realizado um concurso de bolos no estilo Halloween, no qual os zumbis foram presença certa. Na moda, as caveiras foram as primeiras a receber destaque, mas é só passear por alguns sites para ver outras surpresas (Fig. 1), como roupas com estampas que imitam cortes, cicatrizes e manchas de sangue.

O zumbi que habita em nós 1
Figura 1: Maquiagem zumbi no desfile de Vivienne Westwood, na London Fashion Week de Londres, em 2013. Imagem disponível em: <https://glo.bo/2olhhKs>

No universo virtual, são famosos os jogos que trazem zumbis para serem combatidos. A lista vai desde o comentadíssimo Resident evil, passando por Alone in the dark, até chegar a outros títulos, como Dungeons and dragons, que traz algumas missões com zumbis. Em 2018, em uma rápida consulta no site < http://www.jogosjogos.com>, encontrei 318 jogos com a temática zumbi.

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Os zumbis foram aproveitados também na onda dos livros para colorir (Fig. 2), que atraiu tanto crianças como adultos. Outro exemplo dessa mistura que agrada uma ampla faixa etária é a releitura das tradicionais princesas da Disney, que ganharam uma versão apocalíptica, na qual todas são representadas como zumbis (Fig. 3).

O zumbi que habita em nós 2
Figura 2: Livro para colorir (com certeza, esse não pode ser usado para combater o estresse!) Imagem disponível em: <https://bit.ly/35pSmpp>
O zumbi que habita em nós 3
Figura 3: Versão zumbi das princesas da Disney Imagem disponível em: <https://bit.ly/33ntc9s>

Por fim, são mundialmente famosas as marchas macabras, batizadas de Zombie Walk. No Brasil, elas são realizadas anualmente, no domingo de Carnaval. Em outros países, a marcha é indispensável às comemorações de Halloween: “Desde 2012, caminhadas de zumbis já foram documentadas em 20 países […]. O maior dos encontros reuniu 4 mil participantes […] em Nova Jersey, em outubro de 2010, segundo o Guinness, o Livro dos Recordes” (GLOBO, 2014). Porém, mas aterrador do que a constatação dessa tendência mundial é o diagnóstico, feito por uma pesquisadora norte-americana, após relacionar a marcha dos zumbis à infelicidade social: “É uma alegoria óbvia. Sentimos que, de certa maneira, estamos mortos” (GLOBO, 2014).

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Com esses exemplos, representamos o processo cíclico e manipulador do mercado cultural, que lança variações de um mesmo produto. Nesse aspecto, multiplicidade e esvaziamento de conteúdo se confrontam, mas isso é o que menos importa. Relevante mesmo é o consumo (e o lucro). Zygmunt Bauman faz menção a isso em Vida para o consumo: “Na hierarquia herdada de valores reconhecidos, a síndrome consumista degradou a duração e elevou a efemeridade. […]. A ‘síndrome consumista’ envolve velocidade, excesso e desperdício” (BAUMAN, 2007, p. 111, ênfase no original). O diagnóstico não poderia ser mais cruel. É a falta que gera essa necessidade, esse desejo. Tornamo-nos consumidores inveterados, como demonstram estes versos de José Paulo Paes, que ilustram bem a questão do consumo na sociedade contemporânea:

Cada loja é um novo
prego em nossa cruz.
Por mais que compremos
estamos sempre nus

nós que por teus círculos
vagamos sem perdão
à espera (até quando?)
da Grande Liquidação. (PAES, 2014)

Desse modo, incluímos mais uma significação pertinente à identidade do sujeito e da sociedade atuais na metáfora polivalente dos zumbis: a do automatismo, que produz pessoas que pensam menos e consomem mais, exaltando a banalidade. Sem perceberem o sentido real das coisas, elas apenas agem.

Além disso, conforme Bauman e outros estudiosos do tema zumbi e da sociedade atual, a condição de morto-vivo afeta não apenas os indivíduos, mas também as instituições. No trecho abaixo, Bauman referencia o diagnóstico de Ulrich Beck para explicar o “derretimento” (BAUMAN, 2001) de tudo aquilo que, antigamente, era considerado como sólido e permanente:

Numa entrevista a Jonathan Rutherford no dia três de fevereiro de 1999, Ulrich Beck (que alguns anos antes cunhara o termo “segunda modernidade” para conotar a fase marcada pela modernidade “voltando-se sobre si mesma”, a era da assim chamada “modernização da modernidade”) fala de “categorias zumbi” e “instituições zumbi”, que estão “mortas e ainda vivas”. Ele menciona a família, a classe e o bairro como principais exemplos do novo fenômeno. (BAUMAN, 2001, p. 12-13)

Diante de um panorama tão pessimista de nossa realidade, não nos resta muita coisa, a não ser torcer para que o fim (ou o Dia Z, chamado de “apocalipse zumbi”) seja a oportunidade de um recomeço. Aliás, a série televisiva American horror story, transmitida pelo canal FX, e idealizada por Ryan Murphy e Brad Falchuk, na temporada 8, tratou do Apocalipse. Logo nos dois primeiros episódios, os personagens tentavam usar o dinheiro e a influência que tinham para garantir um lugar seguro, durante o evento popularmente conhecido como fim do mundo. Nos diálogos, defendia-se a ideia de que a humanidade foi destruída pela tecnologia (AMERICAN HORROR STORY, 2018). Pensando bem, essa tese não está longe das afirmações de Bauman, afinal, por meio da tecnologia acessamos, compramos, buscamos… A tecnologia é, então, em muitos aspectos, uma espécie de facilitadora do consumo.

Nesse contexto, se existe algum tipo de consolo, ele está no fato de os zumbis resistirem à morte, porque desejam a sobrevivência a qualquer custo. Eles almejam o material e o concreto, em detrimento da espiritualidade. Em razão disso, a metáfora dos zumbis assume um contorno dual, pois, ao mesmo tempo em que simboliza o fim, requer o reinício, em uma espécie de continuidade. De acordo com diversos estudiosos da retomada dos zumbis, no século XXI, isso se configurou no ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 às torres gêmeas, em Nova Iorque. Para o especialista William Bishop:

[…] os atentados de 11 de setembro de 2001 podem estar por trás dessa “Renascença Zumbi”: de repente, para o público ocidental, o fim do mundo nas mãos de forças assassinas voltava a ser um conceito plausível. Seja como for, os últimos anos viram algo em torno de 30 filmes sobre mortos-vivos a cada 12 meses, uma média sem precedentes […]. (SUPERINTERESSANTE, 2012, p. 38, ênfase no original)

Compartilham dessa opinião os especialistas que foram entrevistados no documentário A verdade sobre os zumbis. Eles afirmam que os zumbis são excelentes metáforas para os desastres naturais causados pelo homem (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2014). Desde o ataque terrorista às torres gêmeas, mais de uma década se passou e a vida continua. Isso consolida a dualidade dos zumbis, que unem vida e morte, fim e recomeço. De um modo ou de outro, a condição de zumbis nos mantém vivos e comprova que a metáfora não serve apenas como meio de resistência. Ela é também um modo eficaz de crítica e contestação.

REFERÊNCIAS

AMERICAN HORROR STORY. Direção: Bradley Buecker et al. EUA, 2018. Ryan Murphy, Brad Falchuk et al.; FX (8ª. temporada).

BAUMAN, Z. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

_____. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

GLOBO. Moda de zumbis é reflexo de uma sociedade infeliz, diz pesquisadora. Disponível em:

http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2013/03/moda-de-zumbis-e-reflexo-de-uma-sociedade-infeliz-diz-pesquisadora.html. Acesso em: 19 mar. 2014.

NATIONAL GEOGRAPHIC. A verdade sobre os zumbis. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-wDIgAuDw18>. Acesso em: 22 ago. 2014.

PAES, J. P. Ao shopping center. In: RODRIGUES, A. P. José Paulo Paes. Disponível em: <http://www.emdialogo.uff.br/content/jose-paulo-paes>. Acesso em: 29 set. 2014.

SUPERINTERESSANTE. Zumbis: a ciência, a história e a cultura pop por trás do fenômeno. São Paulo: Abril, 2012.

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ADALBERTO DE QUEIROZ
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