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Hipertextualidade e interação em My Boyfriend came back from the war

A net art de Olia Lialina, com base na diversidade propiciada pela computação e pela Internet, caracteriza-se como hipertexto intertextual, combinando a narrativa com mídias

A net art de Olia Lialina, com base na diversidade propiciada pela computação e pela Internet, caracteriza-se como hipertexto intertextual, combinando a narrativa com mídias completamente distintas. Assim, o computador é estabelecido como veículo em que as artes e as linguagens convergem.

De modo a evidenciar a sistemática e a estrutura de um hipertexto, que representa essa convergência, destaca-se esta definição:

Links eletrônicos conectam uma obra a lexias “externas” […] ou internas e, desse modo, criam textos que são experimentados como não lineares, […] multilineares ou multissequenciais. Embora os hábitos de leitura convencionais se apliquem dentro de cada lexia, […] novas regras e novas experiências se aplicam. (LANDOW, 1992, p. 4, grifo no original, tradução nossa)

LEIA TAMBÉM: IMAGEM, PALAVRA E QUADRINIZAÇÃO NA NET ART DE OLIA LIALINA

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A detalhada descrição deixa claro que a hipertextualidade reconfigura não apenas o texto, mas também o próprio processo de leitura, exigindo um perfil diferenciado do público leitor e estabelece outro tipo de acesso, mediado pelo computador. Antes de Landow, em 1960, Theodor Nelson apresentou o sistema ELF (que, em português, significa Arquivo de Lista Evolutiva), composto por três elementos: “[…] entradas, listas e links” (NELSON, 1965, p. 89, tradução nossa), e que permitia “a criação de novas mídias, complexas e significativas: o hipertexto e o hiperfilme” (NELSON, 1965, p. 96, tradução nossa).

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Como Landow, Nelson ressalta a mudança estrutural oferecida pelo hipertexto, quando comparado com o livro impresso. Outra coincidência é que ambos os autores especificam que os textos acessados pelos acionamentos dos hiperlinks podem de fato corresponder a sistemas sígnicos distintos, somando palavras, sons, números e imagens:

Deixe-me apresentar a palavra “hipertexto” para caracterizar um corpo de material escrito ou pictórico, interconectado de modo tão complexo que ele não poderia ser convenientemente apresentado ou representado no papel. (NELSON, 1965, p. 96, tradução nossa)

A hipermídia simplesmente estende a noção do texto em hipertexto, incluindo informação visual, som, animação e outras formas de dados. (LANDOW, 1992, p. 4, grifo no original, tradução nossa)

Essa caracterização é aplicável à net art de Olia Lialina, pela hibridação dos elementos verbais e imagéticos. Tal composição pode ser entendida, emprestando a nomenclatura de Claus Clüver, como um texto intersemiótico, categoria em que “os aspectos visuais ou auditivos não admitem separação do verbal, de tal modo que qualquer […] interpretação deve simultaneamente levar em consideração vários sistemas semióticos” (CLÜVER, 1997, p. 47-48). É justamente essa convivência entre artes variadas que eleva a função do leitor a outro nível, exigindo dele a capacidade de associar e compreender diferentes tipos de representação.

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Nesse cruzamento de textos e informações, não basta que o leitor interprete os signos isoladamente. É necessário, portanto, que a leitura ocorra de modo relacional, de modo que as combinações entre palavra e imagem sejam averiguadas e especificadas como sendo complementares, de reforço ou contraditórias. A primeira relação a ser verificada, no texto de Olia Lialina, diz respeito aos critérios de anterioridade e posterioridade, explicados por Lucia Santaella da seguinte forma: enquanto a ilustração focaliza a “imagem que é precedida pela palavra” (SANTAELLA; NÖTH, 2009, p. 56), a ekphrase define o “texto [verbal] que se segue à imagem” (SANTAELLA; NÖTH, 2009, p. 56). Com base nessa diferença, constata-se que o texto de Olia Lialina privilegia a ilustração. Um exemplo dessa predominância ocorre na tela a seguir (Fig. 1), na qual há somente imagens. Antes, havia textos verbais, alguns até bastante longos, mas, à medida que os hiperlinks são acionados, as palavras desaparecem, dando lugar a imagens ou a quadros esvaziados, que se pintam de preto ou branco. Além disso, destaque-se que a janela fica pulsando, no canto superior da tela, apesar de não ser um hiperlink:

Hipertextualidade e interação em My Boyfriend came back from the war
Figura 1: Tela da net art My boyfriend came back from the war (LIALINA, 1996)

A tela acima demonstra que, aos poucos, a imagem conquista um status maior, de texto isolado, em detrimento da palavra, como costuma ocorrer na chamada referência substitutiva: “Essa estratégia se aplica nos rebus: imagens em forma de enigmas que substituem palavras no meio do texto escrito […]” (SANTAELLA; NÖTH, 2009, p. 56).

Por outro lado, como as palavras vêm antes, elas assinalam a anterioridade do signo verbal, conferindo à imagem um valor secundário ou ilustrativo. Nesse contexto, é importante perceber que a ilustração, na net art em análise, não é feita de modo tradicional. Como a estrutura é hipertextual, a ilustração surge sempre em uma nova tela, o que garante mais autonomia à imagem. Outro fator relevante é que a relação de interferência, geralmente exemplificada pelos textos verbais ilustrados, também se reconfigura (Fig. 2). No contexto tradicional, a interferência se dá quando “a palavra escrita e a imagem estão separadas uma da outra espacialmente, mas aparecem na mesma página” (SANTAELLA; NÖTH,  2009, p. 56, grifo nosso).

Hipertextualidade e interação em My Boyfriend came back from the war 1
Figura 2: Associação entre as palavras “WHAT TIME?” e a imagem de um relógio (acima, ao centro), na net art My boyfriend came back from the war (LIALINA, 1996)

Em outros momentos, Lialina delimita de modo mais evidente os territórios da imagem e da palavra, ao optar pela mudança de tela para inserir as ilustrações, tal como demonstrado na Figura 1, que traz apenas imagens.

Propondo, ainda, outro tipo de relação intersígnica, a autora faz com que os elementos verbais e não verbais coexistam na mesma tela/página, mas sem que esses assumam o caráter de redundância ou reforço. Desse modo, o que é mostrado não é escrito, e vice-versa (Fig. 3), fazendo com que a alternância dos signos concorra para a formação plena do sentido do texto. Isso significa dizer que a intermidialidade e a fragmentação são indissociáveis na composição de My boyfriend came back from the war.

Hipertextualidade e interação em My Boyfriend came back from the war 2
Figura 3: Dissociação entre palavras e imagens, na net art My boyfriend came back from the war (LIALINA, 1996)

De fato, os assuntos de casamento, a constatação da mãe da protagonista e a curiosidade sobre os tigres, nos três quadros que trazem textos verbais, não dialogam com as imagens da tela.

Além disso, há a imagem inalterada do casal protagonista (sempre à esquerda), que exemplifica o processo de ancoragem: “[…] uma estratégia de referência direcionada do texto à imagem” (SANTAELLA; NÖTH, 2009, p. 55). Dessa forma, os sentidos que prevalecem, ao final, são o de incomunicabilidade e o de separação.

Na próxima publicação de “Há arte em toda parte”, apresentaremos a última discussão sobre a net art de Olia Lialina, focalizando o texto não-linear.


Este texto apresenta excertos do artigo “Fragmentação e simultaneidade na net art de Olia Lialina”, publicado na revista Scripta Uniandrade, v. 20, n. 3 (2022), p. 1-20.

REFERÊNCIAS:

CLÜVER, Claus. Estudos Interartes: Conceitos, Termos, Objetivos. Literatura e Sociedade, n. 2, p. 37-55, 1997.

LANDOW, George Paul. Hypertext. The Convergence of Contemporary Critical Theory and Technology. Baltimore; London: The John Hopkings University Press, 1992.

LIALINA, Olia. My Boyfriend Came Back From the War. 1996. Disponível em: <http://www.teleportacia.org/war/war.html>. Acesso em: 26 ago. 2019.

NELSON, Theodor Holm. Complex Information Processing: A File Structure For the Complex, the Changing and the Indeterminate. In: WINNER, Lewis. Proceedings Of the 1965 20th National Conference. New York: ACM Press, 1965, p. 84-100.

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem. Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo: Iluminuras, 2009.

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