A Volta dos Saraus Literários

A Volta dos Saraus Literários

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No Brasil do início do século XIX, nossa sociedade e nossa literatura conheceram a moda europeia dos saraus literários. Naquela época, nossa cultura precisava de modelos, devido à dependência gerada em qualquer processo de colonização. Desde o século XVI, seguíamos os portugueses. Posteriormente, no século XIX, aderimos aos padrões franceses. Até que, no século XX, o modelo americano nos fascinou.

Mas voltemos à França, país que sempre valorizou e celebrou a literatura e as artes. Durante o Romantismo, quando fundamos a primeira escola literária tipicamente brasileira, por ocasião da Independência, tanto os escritores quanto a sociedade em geral tinham os olhos voltados para a capital francesa, principalmente no que dizia respeito à moda, às artes e à língua.

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Sem dúvida, todos esses atributos, além da música e da boa comida, faziam parte da rotina festiva de um soirée (também conhecido como serão ou, simplesmente, sarau, como se popularizou).  Não havia festa sem boa música. Por isso, um piano era instrumento que não podia faltar. Aliás, é justamente por isso que os dicionários costumam registrar que um sarau é sinônimo de concerto

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Originalmente, os saraus eram festas noturnas, promovidas por socialites e apreciadores das artes. Portanto, os espaços usados para sediar esses eventos eram as residências dos próprios anfitriões, que rapidamente se tornavam conhecidos como mecenas, por apoiarem a cultura, o lazer e as artes. Entretanto, com o passar do tempo, as casas foram substituídas por salões de clubes, igrejas e teatros, para dar conta do público, que crescia exponencialmente, ao longo dos anos. 

Quando os portugueses introduziram os saraus literários em terras brasileiras, a capital carioca foi a primeira a apreciar essas reuniões que combinavam arte, sofisticação e entretenimento (Fig. 1): 

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Este tipo de evento se popularizou no século XIX, principalmente entre grupos de aristocratas e burgueses e chegou ao Brasil em 1808, com D. João, seguindo os moldes dos salões franceses.  Eram realizados inicialmente no Rio de Janeiro, mas logo fazendeiros de São Paulo resolveram aderir e já na metade do século XIX saraus com literatura, música, champanhe e vinhos espalhavam-se pelas capitais brasileiras. (Revista Arara, 2024)

A Volta dos Saraus Literários
Figura 1: Quadro de Columbano Pinheiro (1880) que representa um sarau literário. Imagem disponível em: <https://riomemorias.com.br/memoria/saloes-cafes-e-saraus/>

Ao longo da história, o champanhe e o vinho foram substituídos pelo tradicional cafezinho e até mesmo pelo chá. Outra adaptação notória refere-se ao horário de realização dos saraus: apesar de originalmente constituírem um evento noturno, as tardes tornaram-se uma preferência nacional, porque permitia que, além dos adultos, mulheres, crianças e adolescentes virassem frequentadores habituais.

Pelo fato de os saraus celebrarem a cultura e divulgarem as últimas tendências das artes, a família Nabuco, na segunda metade do século XIX, recebeu o título de mecenas, após ficar conhecida por promover os mais requintados saraus da capital carioca. Contudo, depois de algumas décadas, os saraus não se restringiam mais à elite. Eles passaram a ser o entretenimento preferido, das famílias (Fig. 2), dos grupos de intelectuais e da sociedade em geral.

A Volta dos Saraus Literários 2
Figura 2: Representação de um sarau familiar 
Imagem disponível em: <http://sarauoreencontro.blogspot.com/2015/03/origem-do-sarau.html>

Na fase seguinte, quando saíram das casas para invadirem os espaços públicos, como mencionado anteriormente, alguns eventos passaram a ser realizados em cafés e confeitarias. A entrada era livre, garantindo o acesso a todos os amantes das artes e das letras, e, caso alguém também fizesse questão de boa comida e boa bebida, bastava chamar o garçom. Isso, sem dúvida, ajudou a tornar os saraus ainda mais populares e democráticos.

Foi assim que locais como o Café do Braguinha, o Café Londres e as confeitarias Paschoal e Cavé conquistaram fama entre escritores, artistas e amantes das artes: “A mais famosa, porém, era a Confeitaria Colombo, que atravessou gerações tanto na corte de Pedro II como na República, e fez a passagem das gerações de Olavo Bilac para a de João do Rio” (Rio Memória, 2024).

Já no século XX, especificamente em 1922, os saraus ganharam novo impulso com a Semana de Arte Moderna. A partir de então, todo e qualquer sarau era “apresentado como libertário e agregador das diversas manifestações culturais brasileiras” (Revista Arara, 2024).

Nas décadas seguintes, cafés como o Vermelhinho, […] restaurantes como a Taberna da Glória, o Lamas e bares como o Villarino seguiram como espaços em que a literatura e as outras artes se misturavam tardes e noites adentro. Eram locais em que era possível encontrar Drummond, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Djanira, Lucio Cardoso, João Cabral de Melo Neto, Iberê Camargo, Ferreira Gullar, Portinari, Vinícius de Moraes, Rubem Braga e muitos outros nomes das décadas de 1940 – às vezes, ao mesmo tempo.  (Rio Memórias, 2024)

Dando continuidade a esse instigante percurso cultural, os saraus não dominaram apenas os grandes centros, mas também as regiões próximas à praia. Nesse contexto, Alcazar, Mau Cheiro, Jangadeiro e Zeppelin fizeram história. Posteriormente, nas “décadas de 1960 e 1970, o Antonio’s, na rua Bartolomeu Mitre, foi um dos bares mais famosos da cidade, ao abrigar cronistas como Carlinhos de Oliveira e escritores como Antônio Callado” (Rio Memórias, 2024).

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Embora o sarau nunca tenha desaparecido completamente, desde os anos 1980 ele se tornou menos frequente, mas, felizmente, o retorno aos bons tempos estava próximo… Logo no início do novo século, e do novo milênio, a cultura brasileira redescobriu o prazer dos serões artísticos. Arrisco dizer que a Internet e a Tecnologia Digital têm muito a ver com esse revival, afinal, o mundo on-line e o sarau coincidem em vários aspectos, porque valorizam a democratização e a confluência.

Aliás, falando nisso, é importante destacar que, mesmo tendo nascido em berço de ouro, os saraus foram resgatados não pela elite, mas pela periferia. Sim! No Brasil, foram as escolas e os moradores dos bairros mais carentes que ressuscitaram essa prática cultural.

Isso tem a ver com o individualismo extremo que marca a sociedade contemporânea… Dessa forma, a volta dos saraus é reativa. É uma tentativa de neutralizar o isolamento, por meio do resgate de formas clássicas de compartilhamento e lazer. Pensando bem, os saraus atendem a diversos aspectos de uma só vez, e de modo exemplar. Eles promovem a interação, o acesso à cultura, o incentivo à leitura, a crítica e, em certas ocasiões, a escrita criativa. Na Internet, já existem sites que dão dicas valiosas de como organizar seu próprio sarau. Ficou interessado? Então, acesse https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/como-realizar-um-sarau-literario (Rodrigues, 2023) e confira.

Versão atualizada do texto originalmente publicado no blog Sarau Literário (http://teorialiterariauniandrade.blogspot.com/), em abril de 2024.

REFERÊNCIAS

REVISTA ARARA. Você sabe o que é sarau? Disponível em: <https://arararevista.com/voce-sabe-o-que-e-sarau/>. Acesso em: 19 mar. 2024.

RIO MEMÓRIAS. Salões, cafés e saraus. Disponível em: <https://riomemorias.com.br/memoria/saloes-cafes-e-saraus/>. Acesso em: 19 mar. 2024.

RODRIGUES, S. Como realizar um sarau literário? 28 ago. 2023. Disponível em: < https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/dicas/como-realizar-um-sarau-literario>. Acesso em: 10 mai. 2024.

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