O conceito de “red herring” e nossas cortinas de fumaça
Um jornalista inglês do séxulo XIX chamado William Cobbet criou – ou apenas popularizou – o termo “Red Herring” (arenque vermelho) para tratar de informações falsas sobre uma suposta derrota do francês Napoleão Bonaparte. O arenque vermelho é um peixe usado, à época, para criar rastros pelas estradas, para atrair animais ou bandidos à uma cilada, ou pelo menos, tirar-lhes a atenção de algo mais importante. O jornalista escreveu em “Registro Político Semanal”, de fevereiro de 1807, uma história de infância sobre a analogia do arenque vermelho para dizer que a imprensa londrina tinha sido enganada. Desde então o termo tornou-se comum para o artifício narrativo da pista falsa no meio ficcional.
A escritora de prosa policial Agatha Christie foi uma das que melhor utilizou da técnica. Sua prosa aponta sempre para um caminho óbvio e outro nada óbvio. Seus “red herrings” são exatamente aqueles mais fáceis de serem notados e, como marca registrada da autora, os que no final não seriam os culpados pelo crime em questão. Alguém aqui se recorda do personagem chamado Ruivo Herring de Scooby-Doo? O nome do personagem em inglês é Red Herring e sua função principal nas tramas do desenho de investigadores era a de ser sempre o suspeito mais óbvio. Produzia sempre a falsa pista, a cortina de fumaça.
Trazendo para a vida real, Noam Chomsky fala sobre manipulação da opinião pública através da mídia, em livro escrito em coautoria com Edward S. Herman, chamado “A Manipulação do Público”. Apresenta nele um estudo aprofundado com estudos de casos sobre o modelo de propaganda dos meios de comunicação. Pense não só no clássico “pão e circo” fomentado por intelectuais e propagado sem qualquer padrão por muitos. Pense também nas falsas notícias, ou falsas pistas, sobre kit gay, sobre a mamadeira de piroca e sobre tantas outras coisas absurdas alimentadas como eficazes cortinas de fumaça.
Ao escrever uma história de suspense, com investigação, com busca de evidências de culpados por algo, o recurso de pista falsa é clichê, mas efetivo. A arte de enganar o leitor, por outro lado, se não bem executada pode afastar e transformar a obra em um caos de efeito negativo.
Quando uma ministra tem o timing perfeito para abafar crises do governo com suas frases de efeito, é fácil observar o que Cobbet apontou para a imprensa da capital inglesa no início do Século XIX. Somos enganados, desviados de foco a todo momento. Não é sobre meninos vestindo azul, meninas usando rosa (fala da ministra Damares Alves, em 2019). Nem sobre Jesus numa árvore e outras fantasias (também episódio narrado pela ministra Damares).
Enquanto debatemos de forma estéril essas loucuras, o autor da história principal está brincando de cometer seus crimes. O problema é que na ficção é comum que no final tudo se resolva, que o red herring seja desmascarado e a verdade venha à tona. Nesse Brasil, não quer dizer que somos todos mocinhos. Quer dizer que há vilão com a caneta na mão e nenhuma certeza de que podemos ter um final feliz.
O humor infantil produzido massivamente pela e para as redes sociais, gerando reverberação em outras mídias e nas rodas de conversa, são apenas cortinas de fumaça para um Brasil mais denso, cujos autores não desejam que sejam o centro das atenções. Não caiam na facilidade do humor e do deboche. Esse texto mesmo pode ser apenas uma distração para que você não dê atenção para outras coisas, ou não.
Então, escrevam seus mistérios. Tenham cuidado com a sutileza das informações e sejam engenhosos nas pistas falsas. Competir com a realidade tem sido o maior desafio do escritor contemporâneo.
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